A subjetividade da avaliação medico-pericial do INSS

Resumo: Para ter acesso ao benefício, o segurado incapacitado deve ser submetido ao exame da capacidade de trabalho pela Previdência Social que é atribuído ao Médico do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com o reconhecimento da existência de doença e o seu reflexo sobre a condição de trabalho, durante a existência de um vínculo jurídico entre o segurado e o INSS, nasce o direito ao benefício. O trabalho pericial consiste na avaliação técnica que envolve exames clínicos, entrevistas, análise de documentação médica apresentada pelo segurado que proporcione ao médico perito uma conclusão precisa acerca da incapacidade do segurado. Todavia, comumente surgem conflitos de ordem interpretativa entre os laudos médicos levados pelos segurados, as narrativas desses e a avaliação da incapacidade laborativa feita pelo médico perito da Previdencia Social. Tais conflitos, leva o médico perito a atuar como um julgador do INSS, sem que tenha  tempo hábil na avaliação pericial  e condições técnicas para um acompanhamento do segurado, tanto nas questões físicas psicológicas, quanto na sua inserção social, o que vem levando o instituto à uma enorme gama de erros em relação aos segurados da Previdência Social.

Palavras-chave: Perícia. Segurado. Previdência Social. Benefício. Incapacidade.

Abstract: In order to have access to the benefit, the incapacitated insured must be submitted to the examination of the capacity of work by the Social Security that is assigned to the Physician of the National Institute of Social Security (INSS). With the recognition of the existence of illness and its reflection on the working condition, during the existence of a legal bond between the insured and the INSS, the right to benefit arises. The expert's work consists of the technical evaluation involving clinical examinations, interviews, analysis of medical documentation submitted by the insured that provides the medical expert with a precise conclusion about the insured's incapacity. However, there are usually conflicts of an interpretive nature between medical reports carried out by the insured persons, the narratives of the  insured persons and the evaluation of the incapacity for work by the medical expert of Social Security, which leads the physician to act as a judge of the INSS, has the necessary technical time and conditions for a follow-up of the insured both in physical psychological issues and in their social insertion, which has led the institute to a huge range of errors in relation to the Social Security insured.

Keywords: Expertise. Insured. Social Security. Benefit. Inability.

Sumário: Introdução; Desenvolvimento; 1. Conceito de Saúde; 2.  Da Responsabilidade do Perito; 3. A Importância da Colaboração do Periciando; 4. Aprimoramento das Técnicas e Especialização dos Profissionais; 5. O Judiciário como Alternativa do Segurado; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 instituiu a política de seguridade Social que criou a Previdência Social integrando, junto à área de Saúde e de Assistência Social. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é a autarquia do antigo Ministério da Previdência Social, atualmente Secretaria do Desenvolvimento Social e Agrário, responsável pela administração das ações devidas à Previdência e pelo pagamento dos benefícios aos segurados.

Os benefícios por incapacidade estão elencados entre os benefícios ofertados pela Previdência, tendo a Perícia Médica do INSS a responsabilidade técnica para emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade ou incapacidade laborativa dos segurados filiados à Previdência.

É bom que se esclareça que o presente estudo visa as avaliações médicas periciais que tratam de benefícios por incapacidade previdenciária, não sendo o foco desse estudo, benefícios de natureza acidentária.

Dentre as atribuições institucionais dos peritos estão: emissão de parecer quanto à análise de tempo de serviço exposto ao ambiente de trabalho insalubre, homologação de exames periciais realizados por médicos de empresas conveniadas com o INSS e assessoramento às Juntas de Recursos da Previdência Social e a Procuradoria do INSS.

Não raro, os sindicatos e os profissionais do setor de saúde do trabalhador atribuem à junta de peritos do INSS desrespeito ao segurado e ausência de isenção, por entenderem que esses levam em consideração explicitamente os interesses de empregadores, afastando a relação das reclamações do segurado com o trabalho realizado.

Inúmeras são as controvérsias em torno da atividade pericial e geraram polêmicas sobre a atuação do médico perito, sobre a estrutura, organização e treinamento de profissionais do INSS (National CUT, 2002; verthein & Gomes, 2001). Muitas são as críticas e reclamações que visam melhores atendimentos pelos especialistas de Previdência Social.

A pesquisa busca compreender os componentes e os requisitos das tarefas de especialistas médicos, em seguida, promover o debate sobre a qualidade das avaliações periciais realizadas nos segurados. O objetivo deste estudo é entender a atuação do médico perito, nomeadamente no que diz respeito ao processo de tomada de decisão e de que forma pode ser melhorado o treinamento médico pericial.

Tal entendimento, leva à seguinte reflexão:

Como pode ser aprimorado o atendimento da avaliação pericial no âmbido da seguridade social como meio de alcançar a dignidade humana  aos segurados da Previdência Social?

Em que pese a importância social do trabalho realizado por esses profissionais, há uma deficiência na compreensão do exercício da profissão. Por um lado, sabendo, de forma mais sistemática, o trabalho dos especialistas pode contribuir para instrumentalizar o investimento institucional em profissionais de qualificação.

Há de se considerar também que o trabalho dos especialistas, conforme a política governamental existente, necessita de outros subsídios e espaços adequados para realização dos atos técnicos com vistas a um melhor atendimento ao segurado.

DESENVOLVIMENTO

1. Conceito de Saúde

Etimologicamente o vocábulo “saúde” originou-se do latim salus, utis, e significa “estado de são” e ainda “salvação”.

Significante é a conceituação da Saúde extraída da Lei complementar do Código de Saúde do estado de São Paulo, como uma das qualidades primordiais da liberdade individual e da igualdade de todos perante a lei (art.2º), sendo direito inerente à pessoa humana, constitui-se em direito público subjetivo (§ 1º), sendo o estado de saúde expresso em qualidade de vida (art. 3º), Lei complementar nº 791, de 09.03.1995, (LORENZ, a.d).

Segundo ALMEIDA, (2010):

“Perícia médica é o ato médico destinado a coletar elementos probatórios. Não está direcionada a nenhum propósito terapêutico, o que a distingue fundamentalmente das demais atividades médicas, em sua maioria. Como tal, é o ato de maior assimetria de poder entre o médico e o paciente, aqui melhor designado periciado, na medida em que não há troca, mas coleta, um fluxo quase unilateral de informações”.

O cuidado com a saúde encontra supedâneo no art. 6º da Constituição da República e tem sido desígnio de dignidade de vida no atual contexto social. Nessa perspectiva, existe uma consciência que faz com que mais e mais pessoas contribuam para a Previdência Social visando, no momento próprio o recebimento do benefício oferecido pelo sistema previdenciário, não deixando de lado que o reconhecimento ao direito se dá com o evento incapacidade, bem como mediante contribuições que garante a chamada “qualidade de segurado”.

2. Da Responsabilidade do Perito

Porém, nem sempre basta ser filiado à previdência e ter as contribuições em dia. Em realidade, por inúmeras vezes, o beneficiário precisa do auxílio do Poder Judiciário, vez que esbarra na perícia médica realizada pelos experts do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que em sua grande maioria nega o benefício ao segurado, ao concluir que o periciando está apto ao trabalho, embora exista de fato a incapacidade.

Nessa linha de raciocínio, vê-se que o perito tem atribuição de julgador, que em grande proporção, julga o segurado de forma superficial. Desse modo, na maioria das vezes, a única solução que resta ao segurado do INSS é buscar o amparo no judiciário, quando lhe é conferido, muitas das vezes a tutela antecipada de urgência para garantir que o benefício seja concedido.

“No Brasil, um dos maiores desafios é manter a coerência entre o direito em saúde e a realidade, dirimir os conflitos gerados pela discrepância entre os diplomas legais e o que de fato é cumprido”. (O Remédio via Justiça – Ministério da Saúde – SVS – Programa Nacional de DST/ AIDS-2005)

Dentre as particularidades que adequam o método de avaliação pericial, é importante que se estabeleçam vindicações ao expert e que não devem ser negligenciadas na formulação das políticas previdenciárias. Pois, seria exigir demais que toda a responsabilidade de erros nas avaliações médico-pericial recaiam sobre os ombros desses profissionais.

3. A Imprtância da Colaboração do Periciando

Não se pode afastar ainda a responsabilidade do periciando, vez que deve também se revestir de boa-fé.

Mohamad Abbas, 2011, leciona que:

“Na perícia, dependendo da percepção do risco de não obter algo que deseja ou que considera ser direito seu, o periciando pode tentar uma interferência ativa no exame, escondendo dados ou fatos, falseando ou inventando queixas, tentando conduzir a história desenvolvendo quadros na forma que imagina serem suficientes para garantir o que deseja. É uma característica do exame pericial a desconfiança e a resistência por parte do periciando”.

Nesse sentido, há de considerar que os peritos não são os únicos abjetos dos erros cometidos pelo sistema. Não se pode afastar que no exame pericial deve haver a colaboração de todos os envolvidos, bem como que estejam embuidos pelo princípio da boa-fé, especialmente para afastar o preconceito que envolve o ato.

4. Aprimoramento das Técnicas e Especialização dos Profissionais

A pressuposição que permeia essa ideia é a contribuição que a adoção de melhores condições de trabalho, técnicas, profissionais especializados em diversas áreas da medicina poderão trazer para a motivação do profissional, a responsabilidade das decisões mais precisas, por ele a serem tomadas, em relação ao periciando.

Pelo menos do ponto de vista prático, precisaria ser adotada, vez que o contrário, implica em corrida às tutelas judiciais, que somente fazem abarrotar o judiciário para dar ao segurado um direito que lhe é de importância essencial, tal qual sua natureza alimentar.

Uma melhor preparação dos especialistas impõem exigências ao profissional do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como ética e relações pessoais que não podem ser ignoradas na formulação de políticas públicas na busca do bem estar social (Melo e Assunção, 2003).

O assunto requer a observância do princípio da dignidade da pessoa humana, porquanto, confere ao periciando segurança e traz à baila, a preservação do seu bem maior, que é a condição à sobrevivência, ou mesmo, a vida.

De um ponto de vista mais abrangente, os motivos fortemente enraizados nos princípios constitucionais, são de ordem moral, social e política que levam a ideia da criação de instrumentos que melhor auxiliem os peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos conceitos atinentes à saúde, qual seja não avaliar o periciando com uma simples “olhadela”, mas ter uma visão de mais acuidade para que injustiças não sejam cometidas e os benefícios por incapacidade não recebam negativas indevidamente.

Em depoimento, uma perita reitera essa percepção da tarefa:

“Tem hora A Decisão Pericial no âmbito da Previdência Social PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 13(2): 105-127, 2003 113, que a sensação que a gente tem é de julgamento mesmo”.

Explicita todo um conjunto de elementos que comporiam a situação de um julgamento: “todo mundo apresenta as provas, as provas verbais e as provas concretas escritas, daquilo que se está pleiteando” (Melo e Assunção, 2003).

5. O Judiciário como Alternativa do Segurado

Em sendo assim, na essência do direito e na sua existência, é oportuna a concessão da antecipação da tutela de urgência para que o jurisdicionado goze do bem da vida, o mais rápido quanto possível, vez que, é essa, matéria de urgência. (ALVIM – 2004).

Nessa esteira, entende o Min. LUIZ FUX, in verbis

“Não haver razões para impedir a incoação estatal na antecipação de tutela, qualquer que seja  a hipótese, eis que, não se deve confundir a neutralidade com omissão e,  tampouco, a imparcialidade com responsabilidade”.

As características basilares do papel jurisdicional e da correspondente tutela assegurada pelo Estado encontram guarida na Constituição da República, notadamente no art. 5º. E com isso chama para si o monopólio do exercício da tutela de direitos, coibindo a autotutela, ao mesmo tempo em que esclarece que o Estado se compromete a apreciar e, se for a questão, franquear a proteção devida a toda e qualquer “lesão ou ameaça de direito”, como articula o inciso XXXV.

Diz respeito à promessa de tutela estatal para diversas situações em que a pessoa possa se deparar, não somente para os casos de reparação de danos ou lesões ao direito subjetivo, bem como, para impedir que tais lesões venham a acontecer, no caso em tela, lesão ao direito alimentar. (tutela preventiva) (ABREU,1999).

Na hipótese, de julgamento administrativo desfavorável por parte do perito, o juiz estará diante de uma situação particular em que ponha em risco a sobrevivência de uma pessoa. Deverá esse, então, agir de acordo com os princípios constitucionais, bem como, não é demais tomar emprestado do direito ambiental o princípio da precaução cuja redação afasta dúvidas ipso iure:

“O princípio da precaução é a garantia contra riscos potenciais que, de acordo o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano.”

Na verdade, há uma completude de ações a serem tomadas nesse sentido.

Contudo, diante da negativa do benefício, o segurado ainda pode contar com um importante paliativo para equilibrar as relações havidas entre segurado e o perito, a tutela jurisdicional, inadmitindo assim, que o interesse estatal sobreponha o interesse social. 

CONCLUSÃO

A obra que ora se finda dedicou-se a sopesar o alcance da avaliação medico-pericial do ponto de vista dos direitos humanos, especialmente quando se trata do direito à garantia alimentar que assegura a sobrevivência e, consequentemente a vida, com olhar à alteração de paradigmas da hermenêutica administrativa, pericial e jurídica que se volta para o problema dos valores humanos fundamentais. É com o reconhecimento da existência de doença e o seu reflexo sobre a condição de trabalho, durante a existência de um vínculo jurídico entre o segurado e o INSS, nasce o direito ao benefício por incapacidade. Por isso, a importância de aprimorar o aparelhamento e treinamento que visa evitar negativas de concessão de benefícios indevidamente, cuja essência do direito ao benefício (vida), encontra-se nas Declarações dos direitos humanos, sabiamente instituídos nas constituições do mundo e traz em sua concepção a sua moderna força normativa, tanto em nível nacional quanto internacional. Devendo o ato administrativo pericial ser mais bem instrumentalizado para que a relação médico-segurado tenha elementos para um julgamento justo às pretenções da pessoa submetida à perícia administrativa previdenciária.

 

Referências
A Decisão Pericial no Âmbito da Previdência Social, disponível em < https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/physis/v13n2/a07v13n2.pdf>
ALMEIDA, Eduardo Henrique Rodrigues: Aspectos bioéticos da perícia médica previdenciária, Rev. bioét (Impr.) 2011;
MELO, Maria da Penha Pereira;  ASSUNÇÃO, Ada Ávila: PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 13(2):105-127, 2003;
Salazar, Andréa Lazzarini; Grou, Karina Bozola: O Remédio Via Justiça: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Brasília, 2005;
ABBAS, Mohamad: Diferenças entre o Paciente e o Periciado, 2011: disponível em http://www.perito.med.br/2011/02/diferencas-entre-o-paciente-e-o.html;
Constituição Federal, 1988.


Informações Sobre o Autor

Tania Maria Pereira Alves Caixeta

Advogada e pós–graduanda em direito previdenciário pela Faculdade Legale


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