Controle do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário

Resumo: Pretende-se, por meio do presente artigo, promover um estudo acurado sobre o controle exercido pelo Poder Judiciário em face dos atos administrativos levados a acabo pela Administração Pública, em especial dos atos discricionários. Ainda, tem por objetivo demonstrar a possibilidade do controle judicial dos atos administrativos discricionários, o qual não é ilimitado, devendo respeitar a discricionariedade administrativa concedida pela lei à Administração Pública, não sendo permitido ao Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo, situado no âmbito exclusivo do poder discricionário, com possibilidade de ofender o principio da separação dos poderes. Trata-se de estudo muito importante, vez que se discute até que ponto o Poder Judiciário pode revisar o ato promovido pela Administração Pública sob o manto da discricionariedade.

Palavras-chaves: Atos Administrativos. Discricionariedade. Controle judicial.

Abstract: The purpose of this article is to promote an accurate study of the control exercised by the Judiciary Power in the face of the administrative acts carried out by the Public Administration, especially the discretionary acts. It also aims to demonstrate the possibility of judicial control of discretionary administrative acts, which is not unlimited, and must respect the administrative discretion granted by law to the Public Administration, and the Judiciary is not allowed to enter administrative merits, located in the exclusive discretion, with the possibility of offending the principle of the separation of powers. This is a very important study, since it is discussed to what extent the Judiciary can review the act promoted by the Public Administration under the mantle of discretion.

Keywords: Administrative Acts. Discretionary. Judicial control.

Sumário: Introdução. 1. Fatos da administração, atos da administração, fatos administrativos e atos administrativos. 2. Atos administrativos. 3. Elementos dos atos administrativos. 4. Ato administrativo discricionário e vinculado. 5. Controle judicial do ato administrativo discricionário. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa explorar acerca da possibilidade de apreciação dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário. 

Inobstante sua aceitação prática, pela doutrina e jurisprudência majoritária, existem alguns autores que entendem ser impossível a reavaliação judicial dos atos administrativos praticados pelo administrador público sob certa margem de liberdade, ou seja, sob o manto da discricionariedade, sendo que não deve apreciar o mérito do ato administrativo sob pena, dentre outras, de quebra do princípio da separação dos poderes, ocasionando assim, divergência de posicionamento entre instâncias judiciais brasileiras.

Sabe-se que o Poder Judiciário é o guardião do ordenamento jurídico, sendo que através do presente trabalho se demonstrará, com clareza, que a apreciação judicial do ato administrativo discricionário deve ocorrer sem qualquer temor, sendo que tal órgão não pode ficar inerte perante atos abusivos e ilegais.

A abordagem do tema proposto teve como base metodológica uma pesquisa bibliográfica em fontes doutrinárias e jurisprudenciais, buscando-se materiais ligados ao objeto de estudo da possibilidade de apreciação do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário, com a finalidade de conhecer mais a temática abordada no tema em comento.

1 FATOS DA ADMINISTRAÇÃO, ATOS DA ADMINISTRAÇÃO, FATOS ADMINISTRATIVOS E ATOS ADMINISTRATIVOS

Segundo Di Pietro (2011, p. 192), “o Direito Civil faz distinção entre fato e ato; o primeiro é imputável ao homem; o segundo decorre de acontecimentos naturais, que independem do homem ou que dele dependem apenas indiretamente”.

Assim, ato é toda e qualquer ação imputada ao homem e fato é todo acontecimento que independe da ação humana, ou seja, ocorre naturalmente.

Por sua vez, quanto à diferença de fato administrativo e de fato da administração, o primeiro ocorre somente quando o fato descrito na norma legal produz efeitos jurídicos no campo do direito administrativo, enquanto que o segundo, não produz qualquer efeito jurídico (DI PIETRO, 2011).

Ainda, quanto à diferenciação de ato da administração e ato administrativo, este abrange apenas determinada categoria de atos praticados no exercício da função administrativa, aquele é todo ato praticado pela Administração Pública, dentre os quais, no ensinamento de Di Pietro (2011, p. 192 e 193), incluem-se:

1.     “os atos de direito privado, como doação, permuta, compra e venda, locação;

2.     os atos materiais da Administração, que não contêm manifestação de vontade, mas que envolvem apenas execução, como a demolição de uma casa, a apreensão de mercadoria, a realização de um serviço;

3.     os chamados atos de conhecimento, opinião, juízo ou valor, que também não expressam uma vontade e que, portanto, também não podem produzir efeitos jurídicos; é o caso dos atestados, certidões, pareceres, votos;

4.     os atos políticos, que são sujeitos a regime jurídico-constitucional;

5.     os contratos;

6.     os atos normativos da Administração, abrangendo decretos, portarias, resoluções, regimentos, de efeitos gerais e abstratos;

7.     os atos administrativos propriamente ditos”.

Por fim, conforme ensinamentos de Mello (2009, p. 380),

“verifica-se que a noção de ato administrativo não deve depender, isto é, não deve ser tributária, da noção de Administração Pública (conjunto de órgãos do Poder Executivo, autarquias e demais sujeitos da Administração indireta), porque, de um lado, nem todo ato da Administração é ato administrativo e, de outro lado, nem todo ato administrativo provem da Administração Pública.”

Desta forma, verifica-se que ato administrativo é a declaração de vontade que um administrador público promove em nome da Administração, apesar de nem todas as declarações de vontade serem consideradas ato administrativo.

2 ATOS ADMINISTRATIVOS

Após a análise de elementos que distinguem os atos administrativos de outros institutos semelhantes, cabe promover um aprofundamento no que diz respeito à origem e ao conceito de atos administrativos.

Não se sabe exatamente quando foi a primeira vez que a expressão ato administrativo foi usada. Todavia, o primeiro texto legal que fala em atos da Administração Pública em geral foi publicado no ano de 1790, especificamente a Lei n.º 16 de 24 de agosto do mencionado ano, a qual vedava aos Tribunais conhecerem de operações dos corpos administrativos. Esta lei, juntamente com a Lei de 3-9-1795, a qual, também, proibia aos tribunais conhecer dos atos da administração, qualquer que seja a sua espécie. Foi através destas normas que, na França, originou o contencioso administrativo, sendo que houve a criação de uma lista de atos da Administração Pública excluídos da apreciação judicial (DI PIETRO, 2011).

Por sua vez, a primeira referência da expressão ato administrativo pelo texto doutrinário se deu no Repertório Merlin, de Jurisprudência, na sua edição de 1812 (DI PIETRO, 2011).

Trata-se de instituto jurídico produto de certa concepção ideológica que nem todos os países adotam, sendo que só existe em países em que se reconhecem a existência de um regime jurídico-administrativo, sob o qual a Administração Pública está obrigada a atuar, por exemplo, França, Itália e Alemanha, onde teve origem e se desenvolveu a concepção de ato administrativo (DI PIETRO, 2011).

Após uma análise acurada de diversos critérios, Di Pietro (2011, p. 198) define ato administrativo como a "declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário".

Para Meirelles e Filho (2016, p. 173),

“ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”.

Por sua vez, Mello (2009, p. 380) conceitua ato administrativo como a

“declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”

Destarte, através dos conceitos supratranscritos, podemos definir o ato administrativo como sendo a manifestação de um agente público, que agindo nesta qualidade e respeitando a lei, promovida em nome da Administração em face dos seus administrados ou de si próprio.

Por fim, cabe ressaltar que não deve haver confusão entre o conceito de ato administrativo e fato administrativo, por ser este consequência daquele, sendo que o fato administrativo resulta sempre do ato administrativo que o determina (MEIRELLES e FILHO, 2016).

3 ELEMENTOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Por primeiro, cabe ressaltar a divergência doutrinária existente acerca da indicação dos elementos do ato administrativo, sendo que alguns autores utilizam a expressão elemento, e outros, a expressão requisitos, tornando-as expressões sinônimas.

Por segundo, há divergência quanto à terminologia adotada para cada elemento pelos doutrinadores, sendo que, por vezes,      alguns autores englobam em um único elemento aspectos que outros autores desdobram (MELLO, 2009).

Apesar da divergência de diversos autores quanto à nomenclatura, os elementos dos atos administrativos são cinco, quais sejam o sujeito, por alguns denominado competência, o objeto, a forma, o motivo e a finalidade (DI PIETRO, 2011; MEIRELLES e FILHO, 2016; MELLO, 2009).

Cabe conceituar cada um dos elementos supramencionados, a começar pelo sujeito, o qual, segundo ensinamento de Di Pietro (2011, p. 205), “é aquele a quem a lei atribui competência para a prática do ato”.

Ainda, Mello (2009, p. 386) sustenta que “sujeito é o autor do ato; quem detém os poderes jurídico-administrativos necessários para produzi-lo”.

Assim, verifica-se que o sujeito do ato administrativo é o autor competente para a promoção do ato, nos termos do ordenamento jurídico.

Por sua vez, forma é o revestimento externo do ato, sua exteriorização (MEIRELLES e FILHO, 2016; MELLO, 2009). Todavia, a partir da análise da doutrina, verifica-se a existência de duas maneiras diversas de definir a forma como elemento do ato administrativo.

Nesse sentido é o entendimento de Di Pietro (2011, p. 209), sendo que leciona que:

“Encontram-se na doutrina duas concepções de forma como elemento do ato administrativo:

1. uma concepção restrita, que considera forma como a exteriorização do ato, ou seja, o modo pelo qual a declaração se exterioriza; nesse sentido, fala-se que o ato pode ter a forma escrita ou verbal, de decreto, portaria, resolução, etc.

2. uma concepção ampla, que inclui no conceito de forma, não só a exteriorização do ato, mas também todas as formalidades que devem ser observadas durante o processo de formação da vontade da Administração, e até os requisitos concernentes à publicidade do ato”.

Desta forma, através da concepção restrita e da ampla, podemos conceituar a forma como sendo o revestimento externo do ato que deve observar certas formalidades legais, como a publicidade, no momento da declaração de vontade da Administração.

Por terceiro, sob o ensinamento de Meirelles e Filho (2016, p. 178), “o objeto identifica-se como o conteúdo do ato, através do qual a Administração manifesta seu poder e sua vontade, ou atesta simplesmente situações pré-existentes”, sendo que nada mais é do que o efeito jurídico que o ato produz.

Ainda, o motivo como elemento do ato administrativo corresponde aos pressupostos de fato e de direito que determinam ou autorizam a edição do ato administrativo (DI PIETRO, 2011).

Por último, mas não menos importante, entende-se como finalidade o resultado que a Administração quer alcançar com a promoção do ato administrativo (DI PIETRO, 2011).

Assim, cabe ressaltar que a ausência e a não convergência desses elementos faz com que o ato administrativo não se aperfeiçoe, não tendo eficácia para produzir efeitos válidos.

Nesse sentido é o entendimento E. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, confira-se[1]:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO POR POLICIAL MILITAR NÃO CREDENCIADO PELA AUTORIDADE DE TRÂNSITO – INVÁLIDO – AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA – ELEMENTO DE VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO – DANOS MATERIAIS – DEMONSTRADOS EM PARTE – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ART. 37, § 6º, DA CARTA POLÍTICA – DANO MORAL – NÃO CONFIGURADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJ-MS – AC: 12850 MS 2005.012850-9, Relator: Des. Paschoal Carmello Leandro, Data de Julgamento: 20/11/2007, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 14/12/2007, grifo nosso)

No mesmo sentido é a manifestação do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, vejamos[2]:

“REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ATO ADMINISTRATIVO – REMOÇÃO DE SERVIDOR MUNICIPAL – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO- ELEMENTO NECESSÁRIO PARA VALIDADE – VÍCIO – ATO NULO – SENTENÇA CONFIRMADA. 1.O ato administrativo, vinculado ou discricionário, deve ser devidamente motivado, principalmente no que diz respeito à satisfação do interesse da Administração, critério este condicionador de sua eficácia e validade. 2.Ausente a motivação do ato administrativo de remoção do servidor municipal, deve ser reconhecida sua nulidade”. (TJ-MG – Remessa Necessária-Cv: 10511160003188002 MG, Relator: Afrânio Vilela, Data de Julgamento: 07/02/2017, Câmaras Cíveis / 2ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/02/2017)

Desta forma, para que o ato administrativo seja juridicamente válido deve o mesmo estar revestido de todos os seus elementos, sendo que a ausência de um deles pode gerar a sua nulidade em razão do seu vício insanável.

4 ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO E VINCULADO

O ato administrativo discricionário é aquele em que a Administração possui certa margem de liberdade para escolha de uma ou outra solução, segundo os critérios de conveniência e oportunidade.

Nesse sentido, segundo o coeso entendimento de Di Pietro (2011, p. 214),

“o regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos, o poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador.”

Apesar de certa liberdade, a Administração não está totalmente livre para a prática de seus atos, vez que, segundo a doutrina, não existem atos puramente discricionários, sendo que a lei impõe limites no que diz respeito à competência, a forma e a finalidade.

Corroborando é o ensinamento de Mello (2009, p. 424), que alega que:

“Já se tem reiteradamente observado, como inteira procedência, que não há ato propriamente discricionário, mas apenas discricionariedade por ocasião da prática de certos atos. Isto porque nenhum ato é totalmente discricionário, dado que, conforme afirma a doutrina prevalente, será sempre vinculado com relação ao fim e à competência, pelo menos.”

Por sua vez, Di Pietro (2011, p. 214) afirma que, além do discricionário, “o poder da Administração é vinculado, porque a lei não deixou opções; ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma”.

Assim, no ato administrativo vinculado o agente público promove o ato sem liberdade de ação, vez que a lei estabeleceu anteriormente os requisitos e condições para sua validade, não deixando opções, sendo que preenchido os requisitos legais, a autoridade é obrigada a praticar o ato. Todos os requisitos (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) são vinculados. Ex: Licença para dirigir.

5 CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO

Inicialmente, cabe salientar que nenhuma lesão ou ameaça de lesão pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, conforme preceitua o art. 5º, XXXV, da Constituição.

Ainda, cabe ressaltar que a Administração Pública poderá revogar um ato praticado sem a necessidade de uma decisão jurisdicional. Todavia, o controle jurisdicional, no que diz respeito ao ato administrativo, será realizado nos casos onde houver ofensa ao princípio da legalidade.

Por conseguinte, a distinção de ato discricionário e vinculado acima exposto tem extrema importância ao controle que o Poder Judiciário exerce sobre eles, sendo que em relação aos atos vinculados o Poder Judiciário não possui limites para a apreciação daqueles, vez que todos os seus elementos são definidos em lei, devendo analisar a sua total legalidade e, em sendo o caso, decretar a sua nulidade se reconhecer que essa conformidade com a lei inexistiu (DI PIETRO, 2011).

Corroborando é o entendimento pacífico do E. Supremo Tribunal Federal, confira-se[3]:

“ATO ADMINISTRATIVO. ATO VINCULADO. CONTROLE JURISDICIONAL. REINTEGRAÇÃO DE FUNCIONÁRIO DEMITIDO. E PACIFICO O ENTENDIMENTO DE QUE A APRECIAÇÃO PELO JUDICIARIO DOS PRESSUPOSTOS OU MOTIVOS DETERMINANTES DE UM ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO, COMO OCORRE NA ESPÉCIE, NÃO IMPORTA INVASAO DO JUÍZO DISCRICIONARIO DO PODER EXECUTIVO, NO APRECIAR O MÉRITO, SENAO O EXATO CONTROLE DA LEGALIDADE DO ATO. – RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO” (STF – RE: 88121 PR, Relator: RAFAEL MAYER, Data de Julgamento: 19/06/1979, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 10-08-1979)

Assim, infere-se que tanto a doutrina quanto a jurisprudência são unânimes em aceitar o controle judicial dos atos administrativos vinculados, vez que estes devem estar vinculados aos requisitos previstos na lei, sendo que o controle pelo Poder Judiciário será feito sobre a legalidade do ato, o que é permitido.

Por outro lado, é sobre os atos discricionários que a problemática surge, indagando-se se é possível o Poder Judiciário intervir no mérito administrativo no que diz respeito aos seus aspectos de oportunidade e conveniência ou apenas no que se diz respeito aos limites excedidos, isto é, aspectos de legalidade ou legitimidade, quando há um excesso no ato praticado pelo agente público.

Desta forma, infere-se, segundo doutrina e jurisprudência majoritária, diferente do entendimento utilizado até meados do século XX, o qual sustentava que o Poder Judiciário não tinha competência para apreciar os atos promovidos sob a liberdade de atuação, o órgão judicial, no momento da apreciação, deve respeitar os limites da discricionariedade assegurados à Administração Pública quando da promoção do ato, sendo que o Poder Judiciário pode apenas apreciar os aspectos de legalidade do ato praticado pela Administração e se esta não ultrapassou os limites da discricionariedade (DI PIETRO, 2011).

Assim, o Poder Judiciário não pode substituir o agente público interferindo nos aspectos de conveniência e oportunidade no momento da apreciação do ato administrativo discricionário, sendo limitado a verificar a legalidade do ato praticado até seus limites.

Nesse sentido é o entendimento do E. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, vejamos[4]:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE NO CARGO – SINDICÂNCIA E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – DECISÃO QUE DEMITE SERVIDOR A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO – IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO MÉRITO – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO – CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE – APRECIAÇÃO DO JUDICIÁRIO QUE SE LIMITA AOS ASPECTOS DA LEGALIDADE – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR QUE OBSERVOU OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE A JUSTIFICAR A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO”. (TJ-MS – AC: 25641 MS 2007.025641-9, Relator: Des. Oswaldo Rodrigues de Melo, Data de Julgamento: 14/07/2008, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 05/08/2008, grifo nosso)

De igual forma, é a manifestação da jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, confira-se[5]:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – CANDIDATO REPROVADO NA PROVA PRÁTICA – REVISÃO DOS CRITÉRIOS DAS NOTAS ATRIBUÍDAS AO IMPETRANTE PELA BANCA EXAMINADORA – ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS – DENEGAÇÃO DA ORDEM”. (TJ-RN – MS: 21208 RN 2004.002120-8, Relator: Des. Caio Alencar, Data de Julgamento: 04/05/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 24/06/2005, grifo nosso)

Ainda[6]:

“ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS. PENA DE DEMISSÃO. PROVA.CARÁTER DISCRICIONÁRIO DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO JUDICIÁRIO DO MÉRITO DOS ATOS DEMISSÓRIOS. 1. A Administração, na valoração das provas na instância administrativa, entendeu-as como suficientes para a comprovação do ilícito e da autoria, sendo que no caso de seu poder discricionário, decidiu demitir alguns e aplicar outras espécies de sanções a outros. Diante disso, o ato demissório não pode ser taxado de ilegal. E, se não foi ilegal, não pode ser anulado pelo Judiciário. 2. Descabe ao Judiciário examinar aspectos do mérito do ato demissório, mas simplesmente o cumprimento das formalidades legais no processamento do inquérito administrativo e a legalidade do procedimento ao determinar a punição dos funcionários. Se, com base nos mesmos elementos de prova julgou mais adequado demitir uns e punir outros com sanções menos graves, agiu dentro de seu poder discricionário. 3. Apelação provida”. (TRF-4 – AC: 837 RS 97.04.00837-6, Relator: JOSÉ LUIZ BORGES GERMANO DA SILVA, Data de Julgamento: 26/05/1998, QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 12/08/1998 PÁGINA: 841, grifo nosso)

Com a intenção de eliminar qualquer dúvida, transcrevo julgado do TRF1[7]:

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR FEDERAL. INTEMPESTIVIDADE NÃO CONFIGURADA. ATO DISCRICIONÁRIO. APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. SINDICÂNCIA DA VIDA PREGRESSA. INVESTIGAÇÃO PELA BANCA NÃO PREJUDICADA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. […] 3. No que diz respeito à impossibilidade de interferência no mérito administrativo, observe-se que "os atos administrativos praticados com base no poder discricionário estão sujeitos ao controle judicial no tocante ao aspecto da razoabilidade" (TRF1, Sexta Turma, AG 200401000094800, Relatora Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, DJ 07/03/2005, p. 153). […] (TRF-1 – AMS: 39367 DF 2007.34.00.039367-6, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 15/12/2008, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 27/02/2009 e-DJF1 p.312, grifo nosso)

Ainda, cabe ressaltar que a apreciação de ato administrativo discricionário abusivo e ilegal não contraria o princípio da separação dos poderes.

Nesse sentido é o entendimento da jurisprudência da Suprema Corte[8]:

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 557 DO CPC. APLICABILIDADE. ALEGADA OFENSA AO ART. 2º DA CF. ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. ILEGALIDADE. CONTROLE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Matéria pacificada nesta Corte possibilita ao relator julgá-la monocraticamente, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil e da jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. 2. A apreciação pelo Poder Judiciário do ato administrativo discricionário tido por ilegal e abusivo não ofende o Princípio da Separação dos Poderes. Precedentes. 3. É incabível o Recurso Extraordinário nos casos em que se impõe o reexame do quadro fático-probatório para apreciar a apontada ofensa à Constituição Federal. Incidência da Súmula STF 279. 4. Agravo regimental improvido”. (AI 777.502-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 25.10.2010).

Desta forma, verifica-se do entendimento doutrinário e jurisprudencial que é plenamente possível a apreciação de atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário, sendo que esta análise pode ser feita apenas no que diz respeito à legalidade do ato e aos limites de discricionariedade pela Administração no momento da promoção do ato administrativo, excluindo-se a análise do mérito administrativo, e, em sendo o caso, podem os atos serem invalidados por ultrapassarem os limites impostos pela lei ou terem invadido o campo da legalidade, não podendo se falar em lesão ao princípio da separação dos poderes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com efeito, a posição da doutrina e da jurisprudência vem se tornando frequente no sentido de admitir a análise dos atos administrativos discricionários no que tange aos seus aspectos legais e aos limites de discricionariedade pela Administração, sendo que não pode adentrar no mérito administrativo, vez que não pode o Judiciário substituir o agente público, sob pena de ferir fatalmente a separação dos poderes.

Nesse sentido, deve o Poder Judiciário avaliar apenas a legalidade da conduta, não podendo adentrar no mérito administrativo do ato, ou seja, nos aspectos da conveniência e oportunidade.

 Ainda, salienta-se que a ingerência judicial não será uma violação à tripartição de poderes no momento da apreciação de ato administrativo discricionário ilegal e abusivo, tendo em vista que esta interferência visa unicamente garantir a supremacia do texto constitucional.

Logo, diante de todo o exposto, merece prosperar a tese de que é possível a apreciação dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário, sendo que esta análise pode ser feita apenas no que diz respeito à legalidade do ato e aos limites de discricionariedade pela Administração no momento da promoção do ato administrativo, podendo o órgão judicial competente declarar eventual nulidade.

 

Referências
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______. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Apelação Cível em Mandado de Segurança 25641.  TERCEIRA TURMA CÍVEL, Desembargador Oswaldo Rodrigues de Melo, julgado em 14/07/2008. Disponível em: https://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4090895/apelacao-civel-ac-25641/inteiro-teor-12284292?ref=juris-tabs. Acesso em 09/04/2018.
______. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Remessa Necessária CV 10511160003188002 MG.  SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Desembargador Afrânio Vilela, julgado em 07/02/2017. Disponível em: https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/432029083/remessa-necessaria-cv-10511160003188002-mg/inteiro-teor-432029141?ref=juris-tabs. Acesso em 09/04/2018.
______. Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Norte. Mandado de Segurança 21208 RN.  TRIBUNAL PLENO, Desembargador Caio Alencar, julgado em 04/05/2005. Disponível em: https://tj-rn.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3723783/mandado-de-seguranca-com-liminar-ms-21208. Acesso em 09/04/2018.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Edição – Revista e Atualizada. São Paulo: Malheiros, 2009.
 
Notas
[1] Disponível em: https://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4065021/apelacao-civel-ac-12850. Acesso em 09/04/2018.

[2] Disponível em: https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/432029083/remessa-necessaria-cv-10511160003188002-mg/inteiro-teor-432029141?ref=juris-tabs. Acesso em 09/04/2018.

[3] Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/699247/recurso-extraordinario-re-88121-pr. Acesso em 09/04/2018.

[4] Disponível em: https://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4090895/apelacao-civel-ac-25641/inteiro-teor-12284292?ref=juris-tabs. Acesso em 09/04/2018.

[5] Disponível em: https://tj-rn.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3723783/mandado-de-seguranca-com-liminar-ms-21208. Acesso em 09/04/2018.

[6] Disponível em: https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8624211/apelacao-civel-ac-837-rs-970400837-6-trf4. Acesso em 09/04/2018.

[7] Disponível em: https://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2389169/apelacao-em-mandado-de-seguranca-ams-39367-df-20073400039367-6/inteiro-teor-100930422?ref=juris-tabs#. Acesso em 09/04/2018.

[8] Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16794397/agreg-no-agravo-de-instrumento-ai-777502-rs/inteiro-teor-103580080?ref=juris-tabs. Acesso em 09/04/2018.


Informações Sobre o Autor

Daniel Lacerda Charão

Analista Judiciário do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Graduado em Direito na Faculdade Anhanguera de Ponta Porã/MS. Pós-graduado em Direito Previdenciário pela Unopar


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