Concessão do benefício de pensão por morte e a perda da qualidade de segurado

Resumo: Este trabalho apresenta os elementos que constituem o benefício previdenciário denominado pensão por morte, explorando as condições para sua concessão, com ênfase na qualidade de segurado. Explana, ainda, acerca da possibilidade de concessão quando o “de cujus” não possuía qualidade de segurado, mas já havia preenchido os requisitos para obtenção de qualquer aposentadoria até a data do óbito.

Palavras-Chave: Pensão por Morte; Qualidade de Segurado; Previdência Social.

Abstract: This paper presents the elements that constitute the pension benefit called death pension, exploring the conditions for its concession, with emphasis on the quality of the insured. He also explained the possibility of granting the "de cujus" not having the status of insured but had already fulfilled the requirements to obtain any retirement until the date of death.

Keywords: Pension for Death; Quality of Insured; Social Security.

Sumário: Introdução. 1. Da Manutenção da Qualidade de Segurado. 2. “De Cujus” que Preencheu os Requisitos para Obtenção de Qualquer Aposentadoria até a Data de seu Óbito. Conclusão. Referências Bibliográficas.

Introdução

 É cediço que a Previdência Social possui caráter contributivo (artigo 201 da Carta Magna), razão pela qual os seus benefícios, que asseguram a cobertura das contingências ou riscos sociais, são destinados àqueles que contribuem por meio de filiação e contribuição ao sistema, mecanismo que atribui qualidade de segurado ao contribuinte.

Além da referida qualidade de segurado, a pensão por morte, regulada nos artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/1991 e 105 a 115 do Decreto n.º 3.048/1999, ainda estabelece como condição para sua concessão a qualidade de dependente de quem fará jus ao recebimento da pensão e o mínimo de 18 (dezoito) meses de contribuição do segurado, além da exigência da união estável ou casamento ter a duração mínima de 24 (vinte e quatro) meses, exceto quando o óbito do segurado decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho.

Contudo, não é incomum o contribuinte perder sua qualidade de segurado por motivos involuntários, ocasionando o indeferimento do benefício na ocorrência do evento morte. Ocorre que, foi construído entendimento jurisprudencial, no sentido de que a pensão por morte é garantida aos dependentes do “de cujus” que tenha perdido a qualidade de segurado, desde que preenchidos os requisitos legais de qualquer aposentadoria antes da data do falecimento.

Assim sendo, o presente artigo busca explorar tal temática, a fim de demonstrar que a perda da qualidade de segurado em determinadas situações não constitui óbice à concessão do beneficio de pensão por morte, consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidados.

1. Da Manutenção da Qualidade de Segurado

A qualidade de segurado decorre do exercício de labor abrangido pela Previdência Social ou pela inscrição e recolhimento quando o segurado se trata de segurado facultativo. Importa arguir, todavia, que a suspensão dos pagamentos não deságua na imediata perda da qualidade de segurado, na medida em que a legislação infraconstitucional estabelece um período no qual a proteção permanece sendo assegurada, lapso temporal conhecido como período de graça, que segundo André Studart e Augusto Meirinho (2015, p.209):

“[…] é o lapso temporal em que, mesmo sem contribuir e/ou sem exercer atividade que o vincule obrigatoriamente à previdência, o indivíduo continua ostentando a qualidade de segurado. Portanto, se o indivíduo ficar incapaz durante o período de graça, terá direito a um benefício por incapacidade (desde que cumpridos os requisitos legais). De igual modo, se um indivíduo falecer durante o período de graça, seus dependentes terão direito à pensão por morte.”

O artigo 15 da Lei 8213/91 e o artigo 13 do Decreto 3048/99 estabelecem o período no qual o contribuinte poderá permanecer sob a proteção da previdência, fazendo jus aos benefícios, mesmo sem verter contribuições, chegando a 24 (vinte e quatro) meses nos casos de segurado que deixar de exercer atividade remunerada e já tiver pagado mais de 120 (cento e vinte) contribuições (§ 1º do artigo 15, da Lei 8213/91) e em se tratando de segurado em situação de desemprego, desde que tal situação esteja comprovada por registro próprio do Ministério do Trabalho e Emprego (§ 2º do artigo 15, da Lei 8213/91). Vejamos:

“Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

III – até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;

IV – até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;

V – até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;

VI – até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.

§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.

§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.”

Desse modo, vislumbra-se que a interrupção das contribuições previdenciárias não cessa imediatamente o acesso aos beneficiários previdenciários, uma vez que o laborante mantém sua qualidade de segurado por períodos específicos expostos na legislação infraconstitucional, a depender da situação fática a que está submetido, tal interregno de tempo foi denominado pela doutrina pátria como: período de graça.

2. “De Cujus” que Preencheu os Requisitos para Obtenção de Qualquer Aposentadoria até a Data de seu Óbito

Conforme verificado anteriormente, a qualidade de segurado constitui uma das condições para concessão do beneficio de pensão por morte, entretanto, a Emenda Constitucional 20/98 tornou o regime previdenciário eminentemente contributivo, fazendo com que este tenha caráter contraprestacional. A partir desta premissa, é possível concluir que a recusa do beneplácito social ora estudado a beneficiários de mantenedor que contribuiu a carência mínima para qualquer aposentadoria antes de seu falecimento se traduz em evidente enriquecimento ilícito do Estado.

Ademais disso, o artigo 102 e parágrafos da Lei 8213/91, com redação dada pela Lei nº 9.528/97, estabelece que a pensão por morte é devida aos beneficiários do “de cujus” que tenha preenchido os requisitos para obtenção de aposentadoria, independentemente da demonstração de qualidade de segurado.

No mesmo sentido disserta a Lei 10.666/03, que dispensa tal qualidade para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição e especial, desde que o segurado tenha vertido o número mínimo de contribuições mensais exigidas para sua concessão (carência) e tenha tempo de serviço necessário. Caminha no mesmo sentido o entendimento esposado na Súmula 416 do STJ: “É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito”.

Não obstante, a celeuma se instala quando o mantenedor falece em momento posterior à perda da qualidade de segurado e detém carência para percepção de aposentadoria, porém, não possui a idade exigida para instituição do benefício de aposentadoria por idade, consoante artigo 48 e parágrafos da Lei 8.213/1991. Apesar disso, há julgados enaltecendo o caráter contributivo da previdência social, o que impossibilitaria a negativa de concessão da pensão pelo fato de o falecido ter contribuído durante o lapso temporal necessário para a percepção de aposentadoria, não tendo requerido o beneficio pelo exclusivo fato de não ter alcançado a idade mínima:

“AC – APELAÇÃO CIVEL – 874695 Processo: 2002.61.23.000032-9 UF: SP, Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA, Data da decisão: 04/05/2004, cuja ementa adiante está transcrita: “PREVIDENCIÁRIO -PENSÃO POR MORTE – agravo retido NÃO REITERADO – PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO DO "DE CUJUS" – APLICAÇÃO DO ARTIGO 102 DA LEI Nº. 8.213/91 – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – TERMO INICIAL – CUSTAS PROCESSUAIS – CORREÇÃO MONETÁRIA – JUROS DE MORA. (…) III – Ainda que a lei dispense o cumprimento de período de carência para a concessão da pensão por morte, o mesmo não se aplica quanto à condição de segurado do falecido. (STF; 6ª T.; EDRESP nº. 314402/PR); IV – A perda da qualidade de segurado não causa óbice à concessão do benefício de pensão por morte se já haviam sido preenchidos os requisitos necessários. Inteligência do artigo 102, §§ 1º e 2º, da Lei nº. 8.213/91; V – Com a edição da EC nº. 20/98, a ressalva efetuada na parte final do parágrafo 2º, do art. 102, da Lei nº. 8.213/91, passou a abranger também aquele que à época do óbito contava com a carência mínima necessária para a obtenção do benefício de aposentadoria por idade, mas perdeu a qualidade de segurado e veio a falecer antes de completar a idade para obtenção deste benefício. (…)” Data Publicação 18/06/2004 Origem: TRIBUNAL – TERCEIRA REGIÃO Classe: AC – APELAÇÃO CIVEL – 874695 Processo: 200261230000329 UF: SP Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA Data da decisão: 04/05/2004 Documento: TRF300082603 Fonte DJU DATA: 18/06/2004 PÁGINA: 396 Relator (a) JUIZ SERGIO NASCIMENTO. Decisão A Turma, por unanimidade de votos, não conheceu do agravo retido interposto pelo réu e deu provimento à apelação da autora, nos termos do voto do Relator. (grifei)

“Recurso Especial FUNDADO EM VIOLAÇÃO DE LEI FEDERAL E DISSÍDIO PRETORIANO. NÃO DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA DAS TESES TIDAS POR DIVERGENTES. DEFICIÊNCIA RECURSAL. SÚMULA 284/STF. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. PENSÃO POR MORTE. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. ART. 102 DA LEI Nº. 8.213/91. 1. Em havendo contribuição por mais de 180 (cento e oitenta) meses para os cofres da Previdência Social (art. 25, II da Lei nº. 8.213, de 1991), a posterior perda da condição de segurado, em função de desemprego, não impede a concessão do benefício da pensão, ex vi do art. 102, § 2º do diploma em apreço. É que o de cujus, antes da perda daquela condição, já reunira os requisitos próprios à aposentadoria, cifrados na observância do período de carência. 2. Malgrado a tese de dissídio jurisprudencial, há necessidade, diante das normas legais regentes da matéria (art. 541, parágrafo único, do CPC c/c o art. 255 do RISTJ) de confronto, que não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, entre excertos do acórdão recorrido e trechos das decisões apontadas como dissidentes, ou mesmo com a dicção de súmula porventura trazida à colação, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. Ausente a demonstração analítica do dissenso, há flagrante deficiência nas razões recursais, com incidência da súmula 284/STF. 3. Recurso não conhecido” (STJ – 6ª Turma, Recurso Especial nº. 282588-PE, rel Min. Fernando Gonçalves, DJ 23/04/2001, p. 196) (grifei).

Além dos fatores trazidos à baila, a jurisprudência e doutrina fazem referência a princípios que devem ser levados em consideração para a construção de decisão que atenda a uma interpretação teleológica dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, tais como o fato de o princípio da solidariedade e mutualidade terem observância obrigatória não somente no plano de custeio da Previdência Social, mas no momento da decisão de concessão ou indeferimento dos benefícios, nesse sentido, cabe trazer lição do preclaro jurista Sérgio Pinto Martins (2014, pg. 58) acerca do referido princípio:

“A solidariedade pode ser considerada um postulado fundamental do Direito da Seguridade Social, previsto implicitamente inclusive na Constituição. Sua origem é encontrada na assistência social, em que as pessoas faziam uma assistência mútua para alguma finalidade e também com base no mutualismo, de se fazer um empréstimo ao necessitado. É uma característica humana, que se verifica no decorrer dos séculos, em que havia uma ajuda genérica ao próximo, ao necessitado. […]

Ocorre solidariedade na Seguridade Social quando várias pessoas economizam em conjunto para assegurar benefícios quando as pessoas do grupo necessitarem. As contingências são distribuídas igualmente a todas as pessoas do grupo. Quando uma pessoa é atingida pela contingência, todas as outras continuam contribuindo para a cobertura do benefício do necessitado.”

Por outro lado, a decisão que indefere o beneficio de pensão por morte a familiares de trabalhador que contribuiu durante longos anos à previdência social, mas perdeu a qualidade de segurado antes do falecimento, não possui qualquer razoabilidade e equidade, consoante entendimento evidenciado na ADI 1910-MC/DF, Relator Min. Sepúlveda Pertence, uma vez que o mesmo beneficio seria concedido deliberadamente a dependentes de “de cujus” que somente houvesse contribuído dezoito vezes para os cofres da previdência, mas detivesse qualidade de segurado no momento do falecimento.

Assim sendo, resta notório que o benefício de pensão por morte é devido aos dependentes do “de cujus” que tenha perdido a qualidade de segurado, desde que preenchidos os requisitos legais de qualquer aposentadoria antes da data do falecimento, independentemente de o mantenedor ter falecido com idade inferior ao mínimo exigido para concessão de aposentadoria por idade, uma vez que o contrário disso atenta contra o regime contributivo da Previdência Social e contra os princípios da solidariedade, mutualidade, isonomia e razoabilidade.

Conclusão

Neste breve trabalho, demonstrou-se que a perda da qualidade de segurado não deve configurar óbice à percepção do beneficio de pensão por morte, quando o mantenedor tenha vertido, no mínimo, 180 (cento e oitenta) contribuições para a Previdência Social, independentemente da idade do “de cujus”, uma vez que o regime previdenciário pátrio possui caráter contributivo.

Com efeito, o beneficio estudado tem como fato gerador o falecimento do mantenedor da família e a negativa de sua concessão por meio de decisões que não expressam uma interpretação teleológica dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais configura verdadeiro atentado à família, à infância e à adolescência, contrariamente ao preconizado pelo artigo 201, I, da Carta Magna.

Buscou-se elucidar, por fim, que a negativa à pensão por morte aos beneficiários de falecidos que tenham alcançado o tempo mínimo para obtenção de qualquer aposentadoria é decisão que atenta contra os princípios da razoabilidade, solidariedade e mutualidade.

 

Referências
BARBOSA, Igor de Andrade. Do direito à pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3478, 8 jan. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23410>. Acesso em: 3 jan. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal Federal – ADI 1910-MC/DF, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Data de Julgamento: 22/04/2004, 10ª Turma, Data de Publicação: 18/06/2004.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial nº. 282588-PE, Relator: Min. Fernando Gonçalves, Data de Julgamento: 23/04/2001.
BRASIL. Tribunal Regional Federal -3ª Região – Apelação: 200261230000329 UF: SP, Relator: LUIZ SERGIO NASCIMENTO, Data de Julgamento: 04/05/2004, 10ª Turma, Data de Publicação: 18/06/2004.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; KRAVICHUYNCHYN, Gisele Lemos; KRAVICHUYNCHYN Jefferson Lemos; LAZZARI, João Batista. Prática Processual Previdenciária – Administrativa e Judicial – São Paulo: Editora Forense, 2017.
LEITÃO, André Studart; MEIRINHO, Augusto Grieco Sant’Anna. Manual de Direito Previdenciário. 3ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 34. ed., São Paulo: Atlas, 2014.


Informações Sobre o Autor

Erasmo Junior de Lima

Graduado em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo UNICID SÃo Paulo/SP e pós-graduando em Direito da Seguridade Social pela Universidade Legale São Paulo/SP


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