Senado Federal versus STF: o enfraquecimento do leviatã brasileiro

Resumo: Este trabalho se propõe a analisar o enfraquecimento institucional do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Surpreendentemente, uma decisão do Supremo Tribunal Federal foi descumprida pelo presidente do Senado Federal e nem a coercitividade (possibilidade do uso da força para se cumprir a ordem jurídica) foi suficiente. Para amenizar o enfraquecimento jurídico-político, o Pleno do STF encontrou uma saída: manter o Presidente do Senado Federal no cargo, mas o impossibilitando de assumir a presidência do Brasil quando necessário. Mas será que a segunda parte da decisão será realmente cumprida? É importante lembrar que nos termos do art. 80, da Constituição Federal, a ordem de sucessão presidencial é: 1º Presidente da Câmara dos Deputados, 2º Presidente do Senado Federal e 3º Presidente do STF. Há muito mais elementos importantes envolvidos nesse caso do que os debates ideológicos e partidários.

Palavra-chave: Supremo Tribunal Federal. Institucionalismo. Enfraquecimento do STF. Judicialização da Política. Empoderamento.

Abstract: This paper proposes to analyze the institutional weakening of the Brazilian Federal Supreme Court. Surprisingly, a decision of the Federal Supreme Court was failed by the president of the Federal Senate and neither coercitivity (possibility of using force to comply with the legal order) was sufficient. To ease the legal-political weakening, the STF Plenary found an exit: to keep the President of the Federal Senate in the position, but making it impossible to assume the presidency of Brazil when necessary. But will the second part of the decision really be fulfilled? It is important to remember that under the terms of art. 80, of the Federal Constitution, the order of presidential succession is: 1st President of the Chamber of Deputies, 2nd President of the Federal Senate and 3rd President of the STF. There are many more important elements involved in this case than ideological and partisan debates.

Keyword: Supreme Court. Institutionalism. Weakening of FTS. Judicialization of the Policy. Empowerment.

Sumário: Introdução, 1. A estrutura do Judiciário brasileiro. 2. As proporções institucionais do Leviatã brasileiro. 3. O conflito entre o STF e o Presidente do Senado Federal. 4. Conclusão.

Introdução

O presente trabalho busca uma análise da infraestrutura e da atuação do Poder Judiciário brasileiro, em especial, do Supremo Tribunal Federal. Por analogia, utilizamos a teoria de Thomas Hobbes, O Leviatã, para apresentar o Poder Judiciário no Brasil.

O crescimento do judiciário tem ocorrido em várias sociedades ocidentais desde o final do século passado. A existência de tribunais constitucionais passou a ser uma variável no desenho metodológico das políticas públicas (CARVALHO, 2004).

É principalmente por causa do controle de constitucionalidade que o judiciário possui tanto poder em face do executivo e do legislativo. No sistema brasileiro o judiciário exerce tanto o controle concentrado, quanto o controle difuso.

O controle concentrado de constitucionalidade é exclusivo do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, a, da Constituição Federal de 1988), cujas decisões possuem efeitos erga omnes, ou seja, para todos. A competência para impetrar um dos remédios constitucionais necessários ao exercício do controle de concentrado de constitucionalidade é concedida à poucos atores, que estão previstos no art. 103, da Constituição Federal de 1988. No tempo, as decisões, em regra, possuem efeito ex nunc (para o futuro) (MORAES, 2007).

Entre os cinco maiores impetrantes de Ação Direta de Inconstitucionalidade, temos[1]:

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Entre os partidos políticos[2]:

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No tocante aos partidos, em especial, os partidos de oposição, que são minoria nas casas legislativas, costumam usar o judiciário para barrar os projetos de lei contrários aos seus interesses (CARVALHO, 2014).

O controle difuso é exercido por qualquer magistrado, ou seja, não se limita ao STF, embora caiba análise pelo Supremo em sede de recurso. Os efeitos do controle de constitucionalidade são inter partes, ou seja, para as partes do processo, podendo excepcionalmente ser erga omnes. No tempo, as decisões, em regra, possuem efeito ex tunc (retroativos) (MORAES, 2007).

A judicialização da política se dá em duas perspectivas: normativa e analítica. A perspectiva analítica tem como pressuposto que a Constituição está acima das decisões políticas, o que nos leva a teoria da pirâmide de Kelsen, onde a Constituição está no topo do ordenamento jurídico e todas as demais regras não podem contrariar a lex superior (KELSEN, 2003). A perspectiva analítica aborda o judiciário enquanto elemento formador da política pública (CARVALHO, 2014).

Para uma melhor compreensão do tema, abordaremos no próximo capítulo uma análise da infraestrutura do Poder Judiciário, principalmente sobre a ótica constitucional.

No segundo capítulo apresentamos as proporções institucionais do leviatã brasileiro (Poder Judiciário).

No terceiro capítulo apresentamos uma análise de um fato inédito na história recente do Brasil e que representa um enfraquecimento da Suprema Corte brasileira: um caso em que o Presidente do Senado Federal se recusou a cumprir uma decisão do STF, que determinou seu afastamento da presidência da casa legislativa.

Por fim, a conclusão apresentada é no sentido de o Supremo Tribunal Federal errou duas vezes: na decisão liminar e na decisão colegiada.

As decisões estão maculadas pela ausência de fundamentação jurídica e da imposição que fere manifestamente a tripartição dos poderes.

2. A estrutura do Judiciário brasileiro

O Poder Judiciário é dotado de independência e autonomia, cuja função não se limita a gerir a administração da justiça, tem a importante função de ser o guardião da Constituição Federal e das leis (MORAES, 2007, p. 485).

Segundo Eugênio Zaffaroni (1995, p. 87), “a chave do poder judiciário se acha no conceito de independência”.

Para a existência e funcionamento da tripartição dos poderes (na concepção de Montesquieu) a democracia é fundamental. Não há de falar em judiciário independente sem a democracia.

Ao Judiciário brasileiro cabe tanto a função típica (aplicar a lei ao caso concreto), quanto as funções atípicas (administrar e legislar):

“Podemos, assim, afirmar que função jurisdicional é aquela realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui, definitivamente, a atividade e vontade das partes. Evidentemente tem-se que distinguir a atividade jurisdicional da administrativa e da legislativa. As duas últimas, especialmente a administrativa, consistem em atuação em conformidade com a lei, mas são nitidamente diversas da atividade jurisdicional, pois esta é atividade secundária ou substitutiva, ao passo que a administrativa é primária” (ALVIM, 1985, v. 1, p. 149).

A função administrativa corresponde à gestão da estrutura, por exemplo, concessão de férias dos servidores e magistrados. A função legislativa consiste na criação de normas regimentais (MORAES, 2007).

A Constituição brasileira traz em seu texto a previsão de toda a estrutura do Poder Judiciário (arts. 92 a 126).

Para melhor visualização de toda a estrutura, apresentamos o gráfico abaixo:

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Na base da estrutura temos o primeiro grau de jurisdição formado pelos juízes de primeiro grau: juiz de direito, juiz federal, juiz do trabalho, juiz eleitoral e juiz militar. No segundo grau estão os Tribunais: Tribunais de Justiça, Tribunal Regionais Federais, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais Militares. No terceiro grau de jurisdição temos os Tribunais Superiores: Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal Militar, cujas sedes são em Brasília. No topo do judiciário (quarto grau de jurisdição) temos o Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição e última instância recursal.

Para movimentar toda a estrutura do judiciário há uma grande quantidade de servidores e magistrados.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (2016) a força de trabalho totaliza 451.497 servidores, na seguinte distribuição:

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Vale ressaltar que ainda não houve preenchimento da totalidade das vagas, existem ainda 5.085 cargos vagos para magistrado e 55.031 cargos vagos para servidores (CNJ, 2016).

Para garantir o exercício com independência das funções judiciais, de forma a resguardar os magistrados das pressões institucionais, sociais e políticas, aos magistrados são garantidos constitucionalmente três direitos (art. 95, da CF) (MORAES, 2007). A vitaliciedade (1) garante que o magistrado permanecerá no cargo até a idade limite (75 anos) e que só perderá o cargo após decisão final transitada em julgado, ou seja, quando não couber mais recursos. A inamovibilidade (2) garante que o magistrado não poderá ser movido da sua comarca, salvo por interesse público ou vontade própria. A irredutibilidade de subsídios garante a impossibilidade de redução dos “salários” dos magistrados.

Além de proteger a atuação da magistratura, essas garantias são imprescindíveis a democracia e manutenção dos direitos fundamentais (MORAES, 2007). Segundo Fayt (1994), as garantias dos magistrados não são privilégios pessoais, servem para o livre desempenho do cargo público.

Há de se destacar ainda as garantias institucionais, que preservam o judiciário enquanto instituição. Nos termos do art. 85, II, da Constituição, é considerado crime de responsabilidade do Presidente da República atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário e dos demais poderes:

“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;”

A independência do judiciário tem como principal alicerce a ausência de hierarquia entre os magistrados e o princípio do livre convencimento do juiz. Ambos estão devidamente previstos nos arts. 371 e 372, do Código de Processo Civil de 2015. Não obstante, a independência financeira do judiciário liberta-o de quaisquer pressões por parte dos outros poderes.

Em termos orçamentários, historicamente, o judiciário sempre realizou elevados gastos, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (2016):

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Apresentamos, ainda, a distribuição da despesa por Justiça. É importante ressaltar que a Justiça Estadual é responsável por 56,4%, o que decorre da maior capilaridade no território nacional e o tamanho da sua estrutura.

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Apesar de possuir um orçamento bilionário o Judiciário brasileiro apresenta uma elevada taxa de processos pendentes de apreciação, o que gera uma elevada morosidade judicial:

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O sistema constitucional brasileiro não previu uma forma de fiscalização e acompanhamento do judiciário. Por diversas vezes o STF julgou inconstitucional as tentativas de criação de um órgão fiscalizador.

Em 2005 o Brasil passou por uma reforma do judiciário, por meio da Emenda Constitucional 45, que criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que faz parte do Poder Judiciário (art. 92, da Constituição Federal) e possui competência para controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário, bem como do cumprimento das obrigações legais da magistratura (art. 103-B, §4º, da Constituição Federal). Ocorre que o CNJ não goza de plena liberdade ou autonomia, pois é um órgão fiscalizador que faz parte do poder que fiscaliza, o que gera problemas de credibilidade quanto à sua atuação:

“Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:”

Entretanto, a Associação dos Magistrados do Brasil impetrou a ADI nº 4.638-DF, em face de possível inconstitucionalidade do CNJ quanto ao poder de punir os magistrados. O conflito de competência ocorre por causa da existência prévia da corregedoria do judiciário. Ocorre que o STF julgou pela competência concorrente do CNJ e da corregedoria para processar os magistrados que cometem infrações.

Mesmo com a decisão do STF o CNJ tem se mostrado mais um conselho analítico do que julgador. O que, ao menos, tem contribuído para a transparência do judiciário brasileiro.

Por meio do relatório do CNJ (Justiça em números), observa-se que há um sério problema de gestão financeira no judiciário, pois mesmo com orçamentos bilionários tem prestado um serviço público de baixa qualidade.

18521h[4]

Observa-se que apesar da elevada despesa, o número de decisões proferidas pelos magistrados e tribunais sempre fica abaixo da quantidade de novos processos, o que cria um enorme passivo (12.100.000) de processos que aguardam julgamento. Infelizmente as informações ainda são pouco estudadas no Brasil. Tem-se, ainda, um elevado número de processos casos pendentes, que em 2015 totaliza 73,9 milhões de processos.

Nesse sentido (CÉSAR, 2017):

“Assim, a fiscalização propriamente dita garantiria um mero controle e consequentemente aumento da segurança jurídica. A proposta do autor não implica na revisão das decisões judiciais (formais e materiais), não há de se falar em censura judicial, tampouco em supressão da competência disciplinar do próprio judiciário.”

Outro aspecto que contribui para o fortalecimento do judiciário brasileiro é a grande quantidade de escândalos de corrupção que envolvem diversos atores políticos tanto do executivo, quanto do legislativo. Além da descrença social nesses atores, a capacidade de governar e de produzir leis fica altamente comprometida, de forma que sobra para o judiciário tomar as decisões mais importantes para a nação.

Em termos de legitimidade, o Judiciário não sofre com a pressão social (accountability). O termo accountability ainda não tem uma tradução precisa para nosso idioma, mas em linhas gerais trata-se de uma forma de controle/prestação de contas (ODONNELL, 1998).

Pela própria natureza do judiciário não há de se falar em accountability vertical, ou seja, o povo não cobra ou faz pressão social sobre os magistrados, uma vez que a investidura no cargo e sua permanência independe da vontade direta do povo, portanto, o risco político do judiciário é zero. O mesmo ocorre em relação ao accountability horizontal, que é realizado por outros entes governamentais. No Brasil, tanto o legislativo, quanto o executivo não possuem ferramentas para fiscalizar ou rever os atos do judiciário, não há uma prestação de contas.

Assim, a fiscalização propriamente dita garantiria um mero controle e consequentemente aumento da segurança jurídica. A proposta do autor não implica na revisão das decisões judiciais (formais e materiais), não há de se falar em censura judicial, tampouco em supressão da competência disciplinar do próprio judiciário.

Accountability vertical pode ocorrer nas eleições, quando os cidadãos punem o mau político através do não voto ou premiam pelo bom desempenho. Esse fenômeno só ocorre em países democráticos, ou seja, países nos quais os cidadãos participam livremente das eleições (ODONNELL, 1998).

2. As proporções institucionais do Leviatã brasileiro

Segundo Faria (2004), os juízes brasileiros possuem um histórico destaque na sociedade brasileira, decorrente das garantias constitucionais. Tanto protagonismo carece de legitimidade e exacerba a independência e a autonomia em detrimento de princípios constitucionais, tais como, eficiência, transparência, etc. (FARIA, 2004).

Uma análise do elevado custo e da baixa produtividade caracteriza uma máquina pública morosa e ineficiente (FARIA, 2004).

Dois fenômenos são fortemente presentes no Brasil: a judicialização da política e da economia e o ativismo judicial.

A judicialização da política e da economia tem ocorrido em diversos países democráticos, tendo como base a teoria da supremacia constitucional, oriunda da Constituição Americana de 1787 (BARBOZA; KATYA, 2012).

Vários significados podem ser atribuídos à judicialização da política, destacam-se a ideia de que o judiciário decide temas de competência do legislativo e do executivo e a ideia de que os magistrados decidem de forma a extrapolar os limites originários (VALLINDER, 1995, p. 13).

A judicialização da política é muitas vezes confundida com o ativismo judicial, que ocorre quando o magistrado cria o direito através de uma decisão judicial. Existem duas fortes críticas ao ativismo judicial: 1) os magistrados não foram eleitos, logo carecem de legitimidade, pois não estão nos respectivos cargos por vontade direta do povo; 2) não há critérios estabelecidos previamente que regulem a criação do direito pelos magistrados, as decisões são orientadas pelo livre convencimento do juiz, um dos princípios inerentes à magistratura no Brasil (DICKSON, 2007, p. 367).

Democracia é conditio sine qua non para o fenômeno da judicialização da política (CARVALHO, 2004). Não há de se falar em fortalecimento do judiciário e autoritarismo no mesmo cenário sócio-político.

Em especial, o Executivo e o Legislativo no Brasil possuem elevada dificuldade para elaborar normas jurídicas constitucionais, legais e que harmonizem com os princípios gerais do direito, o que cria um vácuo normativo que vem sido ocupado estrategicamente pelo Judiciário (FARIA, 2004).

Ran Hirschl (2006, p. 273), aborda três esferas de judicialização: expansão da retórica legal, judicialização de políticas públicas e judicialização da política em sentido amplo.

A expansão da retórica legal está diretamente ligada ao aumento da complexidade social, o que nos leva a criação de critérios objetivos e universais para prescrição das condutas sociais (normas éticas) (HIRSCHL,2006, p.724-725).

A judicialização de políticas públicas decorre do controle de constitucionalidade feito pelo judiciário, que acaba sendo uma forma extremamente utilizada de revisão dos atos administrativos e das leis. Ocorre que muitas políticas públicas acabam não saindo do papel ou são canceladas quando o judiciário interpreta a política pública como inconstitucional. Da mesma forma diversas leis são retiradas do ordenamento jurídico por causa de decisões judiciais que estabelecem a inconstitucionalidade. Esse tipo de judicialização interfere diretamente na gestão pública e nos atos legislativos, de forma que aumenta demasiadamente o poder do judiciário ao tempo que enfraquece os demais poderes (BARBOZA; KATYA, 2012).

A judicialização da política permite que o judiciário decida sobre questões que estão além do direito, tais como cultura, moral, política em sentido estrito, etc. Essas decisões ocorrem por meio da flexibilização da letra da lei, tendo a hermenêutica jurídica como principal ferramenta. Cria-se, assim, um “novo estatuto dos direitos fundamentais” (VERBICARO, 2008, p. 391). Vale ressaltar que o elevado grau de abstração normativa das normas constitucionais acaba por aproximar o sistema jurídico brasileiro (civil law) do sistema jurisprudencial (common law), pois as decisões dos tribunais superiores (BARBOZA; KATYA, 2012), em especial, as súmulas, passam a ter um poder vinculante maior que a própria lei. Por exemplo, a Súmula 331, V, do Tribunal Superior do Trabalho é aplicada em detrimento do disposto no Art. 71, §1º, da Lei Federal 8.666/90:

“Lei 8.666/90 (BRASIL, 1990)

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

Súmula nº 331 do TST (TST, 2011)

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

 V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”

No tocante à aplicação da norma jurídica, Sobota (1995) apresenta a teoria da aplicação entimemática da lei, na qual o magistrado decide com base em aspectos diversos do direito, mas ao fundamentar sua decisão utilizam as normas jurídicas para evitar um colapso da dogmática jurídica, cujos pressupostos são: pretensão de monopólio do poder pelo Estado, inegabilidade dos pontos de partida, que é a norma jurídica e proibição de non liquet, que é a proibição de deixar de decidir (ADEODATO, 2007, p. 175).

Exemplificando as decisões políticas do Supremo Tribunal Federal, temos a fidelização partidária, aborto, pesquisa em células-tronco, etc (BARBOZA; KATYA, 2012).

Em se tratando de segurança jurídica, o Brasil enfrenta uma difícil realidade, uma vez que existem decisões divergentes sobre a mesma matéria. Mesmo quando há entendimento consolidado nos tribunais superiores, nada garante que um magistrado do primeiro grau aplicará o entendimento uniforme.

3. O conflito entre o STF e o Presidente do Senado Federal.

Nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 402, do Distrito Federal[5], impetrada pelo partido político REDE Sustentabilidade, o Ministro do STF Marco Aurélio proferiu uma decisão liminar monocrática extremamente controvertida: determinou o afastamento do Senador Renan Calheiros da presidência do Senado Federal, mas não do mandato de senador (BRASIL, 2016):

“Defiro a liminar pleiteada. Faço-o para afastar não do exercício do mandato de Senador, outorgado pelo povo alagoano, mas do cargo de Presidente do Senado o senador Renan Calheiros. Com a urgência que o caso requer, deem cumprimento, por mandado, sob as penas da Lei, a esta decisão.”

A decisão tem como fundamento o fato de que o Senador Renan Calheiros passou a ser réu em ação criminal, que tramita no Supremo Tribunal Federal e há incompatibilidade de um político que está na linha sucessória da presidência assumir o cargo sendo réu em ação criminal.

A Constituição Federal estabelece, no art. 80, a linha sucessória para a presidência do País:

“Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal”.

Segundo o texto constitucional o Presidente do Senado é o terceiro na linha sucessória. Contudo, o Brasil passa pela maior crise política e financeira da sua história, que causou o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, sendo que seu Vice-Presidente, Michel Temer, assumiu a presidência, o que faz de Renan Calheiros o terceiro na linha sucessória.

O fato é que a decisão monocrática não possui amparo legal, pois não há previsão normativa que proíba um réu de estar na linha sucessória ou assumir a presidência do País. Não obstante, o atual presidente do Senado Federal não adquiriu o status de condenado pela justiça brasileira, ainda haverá um longo processo judicial que determinará sua culpabilidade.

Nos termos do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, o sistema jurídico brasileiro é regido pelo princípio da presunção de inocência, ou seja, o réu só é considerado culpado após decisão judicial em última instância:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”

Há de se falar em verdadeiro consenso entre os juristas brasileiros quanto à inviolabilidade da presunção de inocência. Segundo D’urso (2007):

“O princípio da presunção de inocência está entre as principais garantias constitucionais do cidadão brasileiro, ao estabelecer que todo e qualquer acusado deve ser considerado inocente até a decisão final, contra a qual não caiba mais recurso, independente da acusação que lhe seja imputada. Ou seja, ninguém pode ser considerado culpado antes da sentença final, que advirá após lhe ser garantida a ampla defesa e o contraditório, dentro do devido processo legal. O Art. 5, inciso LVII da CF, é muito claro: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.”

Além da Constituição brasileira, há de se ressaltar o disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Artigo 11°

1.Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

2.Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o acto delituoso foi cometido.”

Não obstante, uma simples análise da decisão liminar (anexo 1) já mostra a carência de fundamentação legal, assim, a conclusão que se faz quanto à natureza da decisão liminar é que ela possui natureza política.

Decisões políticas proferidas pelo STF e o protagonismo não são novidades no Brasil. Segundo Falcão (2012), “A presença do STF na mídia vem crescendo consideravelmente nos últimos anos”.

Falcão (2010) fez um levantamento nos principais sites de notícias do Brasil (Folha, Veja e O Globo), apresentando o seguinte resultado ao se pesquisar notícias sobre o STF:

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Aliado ao protagonismo e às decisões estritamente políticas, o Judiciário brasileiro não passa por fiscalização financeira, tampouco revisão dos seus atos, o que cria uma enorme e poderosa instituição: o leviatã.

Inesperadamente o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, não cumpriu a decisão liminar que determinou seu afastamento da presidência. Contou, ainda, com o apoio da maioria dos Senadores. (In)Felizmente, o STF não possui meios de exigir por meio da coação o cumprimento de uma decisão dessa natureza em face de outro Poder, o que causou um abalo na imagem do STF, pois, inusitadamente, alguém não cumpriu uma decisão do STF e permaneceu no cargo.

Diante do cenário, o Pleno do STF decidiu julgar a liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio. Numa tentativa de não gerar contradição interna e de não mostrar fraqueza perante a sociedade, a decisão foi no sentido de que um réu não pode figurar na linha sucessória da presidência da república, mas que o Senador Renan Calheiros poderia permanecer no cargo de Presidente do Senado, mas não poderia assumir a presidência em caso de necessidade:

“os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o art. 80 da Constituição, caso ostentem a posição de réus criminais perante esta Corte Suprema, ficarão unicamente impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República”

A decisão proferida gera a seguinte dúvida: O STF poderá barrar a linha sucessória da presidência da república? Caso isso aconteça o próximo da linha sucessória é o Presidente do próprio STF, que atualmente é a Ministra Cármen Lúcia.

Talvez essa pergunta seja respondida em breve, pois no atual cenário político brasileiro, surgiram denúncias criminais contra o atual Presidente da República, Michel Temer, o que pode levar a um novo impeachment, que acarretaria eleições diretas, nos termos do art. 81, §1º, da Constituição Federal:

“Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”.

Não obstante, tudo indica que o STF não levou em consideração os efeitos políticos e econômicos das suas decisões, pois resultou em um aumento da insegurança política, jurídica e econômica.

“A bancada governista do Senado se manifestou contrariamente à decisão do STF, enquanto a bancada de oposição se mostrou favorável. De fato, o afastamento não ocorreu por causa do poder político que o Presidente do Senado possui na Casa Legislativa:

O líder do Governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), avalia que o afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da Presidência da Casa por decisão de um único ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) coloca em risco a estabilidade política. Ele considera, no entanto, que uma eventual mudança no comando do Senado não vai atrapalhar as votações finais, incluindo a da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 55/2016) que estabelece um teto para os gastos públicos para os próximos 20 anos.

Já o líder da Minoria, senador Lindbergh Farias (PT–RJ), considera que independentemente de uma decisão definitiva do Supremo, o Senado não tem condições de votar o segundo turno da PEC do Teto de Gastos, previsto para o dia 13. O segundo vice-presidente do Senado e líder do Governo no Congresso Nacional, senador Romero Jucá (PMDB-RR), ressaltou que a votação em segundo turno da PEC faz parte de um acordo firmado com todos os partidos e que independe de quem presida a sessão. Reportagem de Hérica Christian, da Rádio Senado.” (SENADO FEDERAL, 2016)[6]

Através de uma pesquisa popular no site de notícias UOL, foi constatado que a maior parte da população apoia a decisão do STF de afastar Renan Calheiros da presidência do STF. A pergunta foi: O que você achou da decisão do STF de manter Renan Calheiros como presidente do Senado? E o resultado foi: 92,33% votaram em apoio à decisão do STF, 6,26% votaram em desfavor da decisão do STF e 1,41% votaram indiferente. O total foi de 42.680 votos.

4. Conclusão

Diante do exposto, a conclusão do presente trabalho reside no fato de que o Supremo Tribunal Federal brasileiro há muito tempo deixou de lado a norma jurídica ao julgar e se vale da política para nortear suas decisões.

A despreocupação com a ausência de fundamentação jurídica chegou a tal ponto que determinaram o afastamento de um representante do Poder Legislativo discricionariamente. É importante destacar que o presente artigo não faz nenhum juízo de valor quanto à inocência ou culpabilidade do Senador Federal Renan Calheiros. A análise vai do aspecto institucional ao jurídico-formal.

Nos termos da Constituição Federal de 1988, Art. 53, o devido processo legal deve ser seguido, inclusive, no que se trata ao processamento dos Deputados e Senadores, que possuem imunidade civil e penal sobre suas opiniões, palavras e votos:

“Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação”.

O foro competente para julgar os Deputados e Senadores é o Supremo Tribunal Federal, contudo cabe ao Ministério Público Federal oferecer a denúncia ao STF que, caso aceite os termos, deve enviar a denúncia à respectiva Casa Legislativa (Câmara dos Deputados ou Senado Federal). Essa regra se aplica aos crimes praticados após a diplomação.

Encaminhada a denúncia a Casa Legislativa o parlamentar será afastado apenas por decisão da maioria dos membros.

 

Referências
ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
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Notas
[1] Dados obtidos no site do Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=adi

[2] Dados obtidos no site do Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=adi

[3] Dados obtidos do Relatório do CNJ 2016

[4] Informação extraída do Relatório CNJ em números, disponível em http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros


Informações Sobre o Autor

Renato Hayashi

Advogado. Professor da UFPE. Coordenador de Pós-graduação em Direito. Mestrando em Políticas Públicas pela UFPE


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