Operação Lava Jato sob a visão da ética aristotélica

Resumo: O artigo tem por objeto analisar a Operação Lava Jato sob a ótica da ética Aristotélica, sobretudo no que tange o estudo das virtudes e dos vícios apresentados na obra “Ética à Nicômaco”. Além disso, o artigo busca analisar a atuação dos agentes envolvidos na operação sob a luz da obra do filósofo grego, aduzindo conceitos fundamentais para compreender a análise. Vale ainda ressaltar que o artigo traz a narrativa histórica e as consequências decorrentes da operação, bem como apresenta as virtudes e os vícios aristotélicos em espécie.

Palavras-chave: Operação Lava Jato. Aristóteles. Ética.

Abstract: This paper has as its object the analysis of the Car Wash Operation under the Aristotelian ethical optics, mostly in the study of the virtues and vicious presented in the work “Nicomachean Ethics”. Although, this paper tries to analyse the actions of the envolved agents in the operation under the light of the work of the greek philosopher, adding fundamental concepts for the comprehension of the analyses. It is worth mentioning that this brings the historical narrative and the consequences of the operation, as well this paper shows the Aristotelian virtues and vicious in specie.

Keywords: Car Wash Operation. Aristotle. Ethics.

Sumário: Introdução. 1. Operação Lava Jato. 1.1 Narrativa Histórica. 2. Ética, Virtude e Vícios por Aristóteles. 2.1 Ética Aristotélica. 2.2 Virtudes e Vícios. 2.3 Virtudes e Vícios em Espécie. 3. A Ética Aristótelica e a Operação Lava Jato. 3.1 Análise das Virtudes e Vícios dos Envolvidos. 3.1.1 Polícia Federal. 3.1.2 Ministério Público. 3.1.3 Membros do Poder Executivo e Legislativo. 3.1.4 Poder Judiciário. 3.1.5 Sociedade Civil. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Hodiernamente, um tema tem ganhado destaque no cenário brasileiro e recebido destaque mundial. Tal tema refere-se à Operação Lava Jato, deflagrada em 2014, e que vem sendo responsável por um verdadeiro processo de moralização em todos os setores públicos brasileiros, combatendo frontalmente a corrupção sistêmica alastrada no país.

O presente artigo visa analisar, sob a ótica da ética aristotélica, o andamento da operação e como as virtudes e os vícios trabalhados por Aristóteles em sua simbólica obra “Ética à Nicômaco” aplicam-se aos agentes envolvidos na investigação e processamento dos acusados, bem como aos próprios investigados e réus na operação.

É importante entender os conceitos de ética, virtude e vício para o filósofo grego, permitindo, assim, uma maior facilidade para a análise proposta. Dessa forma, faz-se necessário a observância da ética aristotélica e como ela pode servir para que se enxergue o bom andamento, ou não, da operação.

O “caminho do meio”, construção de Aristóteles em “Ética à Nicômaco”, será o ponto de partida para as análises que serão realizadas, com o objetivo de identificar quais virtudes e quais vícios estão presentes nas condutas dos inseridos nos desfechos da operação em tela.

O tema tem grande importância, uma vez que traz à baila um assunto de grande importância para definir os novos rumos da sociedade brasileira, sob a visão uma ótica diferenciada, qual seja, a do filósofo grego Aristóteles.

Assim, busca-se estabelecer um paralelo entre os estudos de ética de Aristóteles e a Operação Lava Jato, sobretudo com foco nos grupos participantes e na temática das virtudes e dos vícios.

O primeiro capítulo do presente artigo tratará sobre os aspectos históricos e consequências da Operação Lava Jato ao longo de seus anos até o atual momento em que se encontra. Já o segundo capítulo versará sobre a ética aristotélica, focando em apresentar conceitos relevantes e catalogar as virtudes e vícios apresentados na obra do filósofo. Por fim, o terceiro capítulo trará o enlace dos capítulos anteriores, aplicando a ética de Aristóteles à operação objeto desta obra.

1 OPERAÇÃO LAVA JATO

1.1. Narrativa Histórica

De acordo com o Ministério Público Federal (2016, p.01):

O nome do caso, “Lava Jato”, decorre do uso de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas. Embora a investigação tenha avançado para outras organizações criminosas, o nome inicial se consagrou.

A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção que envolve a companhia.

No primeiro momento da investigação, desenvolvido a partir de março de 2014, perante a Justiça Federal em Curitiba, foram investigadas e processadas quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, que são operadores do mercado paralelo de câmbio. Depois, o Ministério Público Federal recolheu provas de um imenso esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras.

Nesse esquema, que dura pelo menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados”.

A operação em comento é um aglomerado de procedimentos investigativos deflagrados pela Polícia Federal do Brasil, tendo sido, até o momento, cumpridos mais de mil mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, objetivando apurar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina.

 As investigações tiveram início em 17 de março de 2014 e já contam com quarenta e cinco fases operacionais, autorizadas pelo juiz Sérgio Moro, período em que mais de cem pessoas foram presas e condenadas. Os delitos investigados são, em grande parte financeiros/econômicos, tais como: crimes de corrupção passiva e ativa, gestão fraudulenta, lavagem de capitais, organização criminosa, obstrução da justiça, operação fraudulenta de câmbio e recebimento de vantagem indevida.

 De acordo com investigações e delações premiadas recebidas pela força-tarefa da Operação Lava Jato, estão envolvidos membros administrativos da empresa estatal petrolífera Petrobras, políticos dos maiores partidos do Brasil, incluindo presidentes da República, presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e governadores de estados, além de empresários de grandes empresas brasileiras. A Polícia Federal considera-a a maior investigação de corrupção da história do país.

Dando seguimento aos procedimentos investigativos, prendeu-se Nestor Cerveró em 2015, que depois delatou outros. Em junho de 2015, a operação alcançou as grandes empreiteiras brasileiras, como a Andrade Gutierrez e a Odebrecht, que, por sua vez, tiveram seus respectivos presidentes, Otávio Azevedo e Marcelo Odebrecht, presos. Vale ressaltar que ao longo de seus desdobramentos, diversas outras figuras de grande relevo foram encarceiradas. Estão na lista o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, o ex-senador Delcídio do Amaral, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, os ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci e Guido Mantega, o publicitário João Santana, o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, e o empresário Eike Batista.

Já em 2016, a Operação Lava Jato logrou êxito ao conseguir um acordo de leniência com a empreiteira Odebrecht, que acarretou no maior ressarcimento ao erário à nível mundial. O acordo ainda previu o depoimento de 78 executivos da empreiteira, gerando 83 inquéritos no STF, cujo ministro Edson Fachin  retirou o manto do sigilo que os envolvia em abril de 2017. A partir dessas investigações inúmeros novos procedimentos foram abertos no exterior, em diversos países, por exemplo, Panamá, Cuba, El Salvador e Equador.

A Operação Lava Jato revelou um cenário nefasto de corrupção sistêmica no Brasil e incide em todas as esferas da política do país. É uma operação de grande porte cujas consequências estão sendo de grande valia para o processo de moralização da sociedade brasileira. Cumpre mencionar que em 2017, peritos da Polícia Federal levantaram que as operações financeiras investigadas na Operação Lava Jato somaram oito trilhões de reais.

Em março do ano de 2014, depois de iniciada a Operação Lava Jato pela Polícia Federal, o Ministério Público Federal criou, em Curitiba, uma equipe de procuradores para atuar no caso. A chamada força-tarefa do Ministério Público Federal é formada por Deltan Dallagno, Carlos Fernando Lima, Roberson Henrique Pozzobon, entre outros. Associam-se também à operação um grupo de trabalho atuando junto à Procuradoria-Geral da República em Brasília, criado em janeiro de 2015 para auxiliar na investigação e acusação e dar ajuda ao procurador-geral na análise de processos em tramitação. Há uma segunda força-tarefa, instituída em dezembro de 2015 pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal, que atua junto ao Superior Tribunal de Justiça.

2. ÉTICA, VIRTUDES E VÍCIOS POR ARISTÓTELES

2.1. Ética Aristotélica

A filosofia aristotélica é marcada por um forte teor finalístico. No que diz respeito à ética, toda ação humana é destinada a uma finalidade. O fim é considerado um valor, é considerado um bem, algo a ser almejado pelos homens. As condutas humanas e todos os fins particulares a que elas correspondem tenderão a um fim último, o bem supremo. Dos estudos realizados acerca do bem supremo feita no interior da obra de Aristóteles, Ética a Nicômaco, chega-se a conclusão de que ser humano deve buscar o seu aperfeiçoamento naquilo que o distingue de todas as outras criaturas, a razão.

Para Lorenzetti (2004, p.01):

“O pensamento moral de Aristóteles está exposto nas obras: Ética à Nicômaco, Ética à Eudemo e a Grande Ética. A ética, nas obras Aristotélicas, é considerada como uma parte ou um capítulo da política, que antecede a própria política. Ela diz respeito ao indivíduo, enquanto a política considera o homem na sua dimensão sócia”l.

A ética é o instrumento para se estudar a política, é através da mesma que pode-se estudar as ações humanas, seu relacionamento interssubjetivo, o seu desenvolvimento social dentro da polis. A ética para Aristóteles é o estudo humano objetivo, o homem em si mesmo e, assim, o filósofo buscou perquirir quais os motores, quais os propulsores, que movem os homens, qual seria o fim último do agir humano. Para o filósofo grego tal fim seria a eudaimonia, ou seja, a felicidade.

De acordo com Silveira (2017, p.02):

“A ética aristotélica é social, e a sua política é ética. Elas estão completamente relacionadas, uma vez que na ética o homem individual é essencialmente membro da sociedade e, na política, a virtude social do Estado é a medida da virtude de seus cidadãos. A tarefa da ética consiste em estabelecer critérios para uma vida ordenada dentro de uma sociedade, fundamentando esses critérios a partir dos fatos da vida, a partir da experiência. A ética e a política possuem uma vinculação com o éthos, e a ética tem a sua particularidade na ação e não somente no conhecimento, pois a sua finalidade é o próprio agir ético do homem em sociedade. A ética deve estabelecer uma relação dialética entre a teoria e a prática, porque sua tarefa não é a construção de sistemas conceituais, mas de esclarecer a ação através da qual o homem busca realizar-se”.

Logo, tem-se que o estudo da Ética para Aristóteles é de suma importância para entender a Política, sendo um conhecimento básico para o encadeamento lógico desses ciências.

2.2. Virtude e Vícios

Silveira (2017, p.03) traz, em seu trabalho, o conceito clássico de virtude:

“O conceito grego de aretê (virtude) tem um significado distinto do que se designa por virtude em um contexto cultural cristão. Para o mundo grego, aretê significa o grau de excelência no exercício de uma capacidade que um ser possui como própria. A aretê é uma certa realização do que é uma função natural e não está relacionada com a idéia de essência”.

Aristóteles diferencia duas espécies de virtude: a virtude intelectual, que tem por escopo o saber e a contemplação, e a virtude moral, que tem, por sua vez, como escopo os atos referentes à vida prática. A virtude intelectual necessita de um certo tempo e de experiências para ser desenvolvida, uma vez que pode ser evoluída por meio do ensino, sendo, então, adquirida pelo hábito. As virtudes são incorporadas ao patrimônio espiritual do homem por meio do exercício, os homens tornam-se virtuosos por meio de condutas virtuosas.

Assim como as virtudes são adquiridas pelo hábito, pelo exercício de boas condutas, os vícios também são adquiridos através do mesmo processo. Sobre a prática destes atos, Aristóteles recomenda o “caminho do meio”, ou seja, o caminho da moderação, a trilha entre as faltas ou os excessos. Uma conduta faltante, deficiente, ou que peque pelo excesso, torna-se um vício. Utilizando uma analogia, temos que a falta ou excesso de alimentos prejudica o corpo humano, prejudica suas formas e seu bom funcionamento, o mesmo ocorre com as virtudes. Existe uma linha tênue que separa os vícios das virtudes. No caso da virtude da calma, por exemplo, é pacato aquele que é submisso, não reage aos fatos que ocorrem em sua volta. Isto é um vício por deficiência. Por outro lado, o irascível é aquele sujeito encolerado, injustificadamente, que deixa-se perder por coisas indevidas e insignificantes. É o vício por excesso (SILVA, 1998, p.03).

2.3. Virtudes e Vícios em Espécie

Cabe, neste ponto, trazer à baila o trabalho de Lorenzetti (2004, p.01), que utilizando a obra aristotélica “Ética à Nicômaco” foi capaz de catalogar as virtudes e os vícios aduzidos pelo filósofo grego em seu trabalho:

Virtudes Morais:

Coragem (andrêia) – é meio-termo em relação ao sentimento de medo e de confiança.

As coisas que tememos são terríveis e as qualificamos como males. Nós tememos todos os males, e temer certas coisas é até justo e nobre – é vil não temê-las. A pobreza ou a doença não devemos temer, nem aquelas coisas que procedem do vício ou aquelas que não dependem de nós; é covarde aquele que não suporta os insultos ou a inveja como deve. A bravura relaciona-se com as coisas mais nobres como a morte na guerra, e bravo é aquele que se mostra destemido em face a uma morte honrosa. A covardia e a temeridade são a carência e o excesso e a posição correta é a bravura.

Temperança (Sofrosíne) – é o meio-termo em relação aos prazeres e dores.

As espécies dos prazeres com que se relaciona são os prazeres corporais. Mas não se relaciona aos objetos da visão, nem da audição ou do olfato. A temperança e a intemperança relacionam-se aos prazeres do tato e do paladar.

Ao intemperante somente interessa o gozo do objeto em si, no comer e beber e na união dos sexos. Por causa dos prazeres, a intemperança é, dentre os vícios, a mais difundida; e é motivo de censura porque nos domina, não como homens, mas como animais.

O apetite é natural, mas o engano é o excesso. Os intemperantes excedem com o que não devem, e mais do que devem.

Liberalidade ( Eleuteriótes) – é o meio-termo no dar e no receber dinheiro. O excesso é a prodigalidade e a deficiência é a avareza.

O homem liberal é louvado no tocante a dar e receber riquezas, mas é especialmente louvado aquele que sabe dar suas riquezas. O avarento quer o dinheiro mais do que deve e o pródigo esbanja a riqueza com seus prazeres. Quem melhor usa a riqueza é aquele que possui a virtude a ela associada: o homem liberal.

A avareza é deficiente no dar e excede no receber; a prodigalidade excede no dar e no não receber, esses não tardam em exaurir suas posses porque dão em excesso.

Magnificência (Megaloprépeia) – é um meio-termo quanto ao dinheiro dado em grandes quantias; o excesso é a vulgaridade e o mau gosto, a deficiência é a mesquinhez.

O Justo Orgulho (Megalopskhia) – é o meio-termo em relação à honra e à desonra. O excesso é a ‘vaidade oca’ e a deficiência é a humildade indébita.

O Justo Orgulho também pode ser chamado Magnanimidade ou Respeito Próprio. O homem magnânimo é aquele cujos mérito e pretensões são igualmente elevados, por isso essa virtude pressupõe outras, realçando-as. O homem magnânimo reclama a honra, mas aquela honra conferida ao homem bom lhe dará apenas prazer moderado, porque o Justo Orgulho relaciona-se com a honra em grande escala.

Ele é um extremo com respeito à grandeza de suas pretensões, mas é meio-termo na justiça de suas pretensões. O objetivo do homem magnânimo é a honra, e a respeito dela que ele é como deve ser.

Anônimo – O homem que excede no desejo à honra é o ambicioso (Afilotimia), o que fica aquém é desambicioso (Filotimia), o intermediário é o Anônimo.

A honra pode ser desejada mais ou menos do que se convém, ou da maneira e das fontes que se convém. O homem ambicioso deseja a honra mais que convém, o desambicioso não quer se honrado e fica aquém da medida.A esta disposição de caráter o que se louva é um meio-termo no tocante à honra.

A Calma (Praótes) – é o meio-termo em relação à cólera; aquele que excede é o irascível, o que fica aquém é o pacato.

Louva-se o homem que se encoleriza justificadamente, tal homem tende a não deixar-se perturbar nem guiar-se pela paixão, mas ira-se da maneira, com as coisas e no tempo prescrito.

A deficiência é a pacatez, e essas pessoas não se encolerizam com coisas que deveriam excitar sua ira; também são chamados de tolos e insensíveis.

O excesso é o homem irascível, que encoleriza-se com coisas indevidas e mais do que convém.

A Veracidade (Alétheia) – é o meio-termo no tocante à verdade, o exagero é a jactância e o que a subestima é a falsa modéstia.

A Pessoa Espirituosa ou Espírito (Eutrapelia) – é o meio-termo na aprazibilidade no proporcionar divertimento. O excesso é a chocarrice e a deficiência a rusticidade.

A Amabilidade (Filía) – é o meio-termo na disposição de agradar a todos de maneira devida e amável; o excesso é o obsequioso se não tiver propósito, e lisonjeiro se visa a um interesse próprio; a deficiência é a pessoa mal humorada.

A Modéstia (Aidémôón) – é o intermediário nas paixões e relativo a elas; aquele que excede é o acanhado e este se envergonha de tudo, enquanto aquele que mostra deficiência é o despudorado e não se envergonha de coisa alguma.

A Justa Indignação (Némesis) – é o meio-termo entre a inveja e o despeito, e refere-se à dor ou prazer da boa ou má fortuna dos outros. O excesso é a inveja, e a deficiência é o despeito.

A Justiça (Dicaiosíne) – nela faz-se necessário distinguir as duas espécies e mostrar em que sentido cada uma delas é um meio-termo.

A justiça é a disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo e a desejar o que é justo. Dessa forma, a justiça é uma virtude completa ou é muitas vezes considerada a maior das virtudes. É uma virtude completa por ser o exercício atual da virtude completa, isto é, aquele que a possui pode exercer sua virtude sobre si e sobre o próximo. Por isso se diz que somente a justiça, entre todas as virtudes, é o bem do outro, visto que é possível fazer o que é vantajoso a um outro. O melhor dos homens é aquele que exerce sua virtude para com o outro, pois essa tarefa é a mais difícil.

Há dois tipos de justiça, uma que se manifesta na distribuição das honras, de dinheiro entre aqueles que tem parte na constituição; e outra, que tem um papel corretivo nas transações entre os indivíduos; ela se divide em transações voluntárias e involuntárias.

No tocante à justiça, cabe destacar que é o caráter voluntário ou involuntário que determina o justo. O homem somente é justo quando age de maneira voluntária, e se age involuntariamente não é justo nem injusto, a não ser por acidente.

Virtude Intelectuais:

O conhecimento científico (Episteme) – Seu objeto é o necessário e eterno; toda ciência pode ser ensinada e seu objeto aprendido. O conhecimento científico é um estado que nos torna capaz de demonstrar, é quando um homem tem certa espécie de convicção, além de conhecer os pontos de partida, que possui conhecimento científico. É uma disposição em virtude da qual demonstramos.

A Arte (Tekné) – É idêntica a uma capacidade de produzir que envolve o reto raciocínio. Toda arte visa a geração e se ocupa em inventar e em considerar as maneiras de produzir alguma coisa que tanto pode ser como não ser, e cuja origem está no que produz, e não no que é produzido. A arte não se ocupa nem com as coisas que são ou que se geram por necessidade, nem com as que fazem de acordo com a natureza. A arte é uma questão de produzir e não de agir.

A Sabedoria Prática (Phrónesis) – É característica de um homem que delibera bem sobre o que é bom e conveniente para ele. Mas o homem com essa sabedoria não procurar coisas boas somente para si, mas sabe deliberar sobre aquelas coisas que contribuem para a vida boa em geral.

A sabedoria pratica é uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem.

A Razão Intuitiva (Nõus) – Consiste aquilo pelo qual aprendemos as últimas premissas de onde parte a ciência; ela aprende os primeiros princípios. Seu método é a indução, que apreende a verdade universal e a partir disso aparece como evidente a si.

Sabedoria Teorética (Sofia)- A sabedoria é a razão intuitiva combinada com o conhecimento científico, orientada para objetos mais elevados. É, dentre as formas de conhecimento, a mais perfeita; superior à sabedoria prática que tem como objeto as coisas humanas e diz respeito à ação; deveríamos possuir ambas as espécies de sabedoria, mas de preferência a sabedoria teorética.

Cumpre elucidar que a partir do exposto, Aristóteles desenvolveu em sua obra conceitos que seriam utilizados séculos mais tarde pelo cristianismo, conceitos, estes, de grande valia para a cultura e para a formação da sociedade ocidental atual. Sua proposição chamada “caminho do meio” é seguida por gerações e orientou o estudo da ética e da política.

3. A ÉTICA ARISTOTÉLICA E A OPERAÇÃO LAVA JATO

3.1. Análise das Virtudes e Vícios dos Envolvidos

A ética aristotélica pode ser aplicada para que sejam analisados os agentes, as instituições envolvidas na Operação Lava Jato, sobretudo se estudarmos sob a óptica das virtudes (morais) e dos vícios. As construções de Aristóteles no que tangem à questão em comento demonstram o espírito, as atitudes dos envolvidos, que são: a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, a Sociedade Civil e a Imprensa brasileira.

Vale ressaltar que a Justiça, virtude moral, será aplicável na análise da conduta de cada um dos envolvidos na Operação Lava Jato.

3.1.1. Polícia Federal

Sabe-se que a Operação Lava Jato teve início com a atuação da Polícia Federal que deflagrou as investigações em 2014. A polícia tem a missão, estabelecida na Constituição e nas leis, de investigar os fatos de natureza criminal. Essa investigação, em seguida, é enviada ao Ministério Público. Geralmente, a polícia faz a apuração por meio do inquérito policial.

Uma das virtudes aplicáveis à atuação policial é a coragem. Porém, como já supracitado, Aristóteles trabalha com a ideia do “caminho do meio” e a coragem é esse caminho e é possível vislumbrar alguns excessos na atividade investigativa, o que poderia caracterizar o vício da temeridade,

A temeridade deve ser evitada pelos policiais, uma vez que macula a boa atuação. Impor temor sobre os investigados é um excesso e pode acarretar danos para a imagem da corporação.

Outra virtude aplicável é a justiça, pois o procedimento investigatório deve ser pautado pelo crivo da referida virtude, sob pena de viciar as investigações, as provas colhidas, o que seria lastimável para o rumo correto dos procedimentos. Logo, os agentes da polícia devem atuar de maneira proba e ilibada e os indiciamentos apenas podem recair sobre aqueles eivados de justa causa.

3.1.2. Ministério Público

Encerrada a investigação feita pela polícia ou outro órgão, os documentos são enviados ao Ministério Público. A Constituição diz que cabe ao Ministério Público promover a ação penal, ou seja, o processo criminal contra alguém que será acusado por um crime, e o caberá, então, ao Poder Judiciário, após a coleta de provas junto ao MP e aos acusados, efetuar o julgamento da acusação.

As mesmas virtudes e vícios aplicáveis à Polícia Federal também o são ao parquet. Deve-se evitar a temeridade e a injustiça por parte dos procuradores da república. As acusações devem seguir os ritos legais e mais ainda, devem obedecer a condição de ação chamada de justa causa.

Ainda podem ser aplicáveis o anonimato e a modéstia. Sobre a primeira virtude, é necessário que o vício da ambição, ou seja, o excesso do anonimato seja evitado, uma vez que confunde os sentidos e pode viciar a finalidade da investigação. Já a modéstia é outra virtude moral que incide no caso e deve influenciar na conduta dos agentes ministeriais, freando seus despudoramentos e tornando-os mais centrados.

3.1.3. Membros do Poder Executivo e Poder Legislativo

É sabido que a corrupção sistêmica alcançou os Poderes legislativo e Executivo e maculou a imagem de seus membros, em todos os âmbitos da federação, União, Estados, Distrito Federal e Municípios brasileiros. No entanto, é do Congresso Nacional e no Palácio do Planalto que partiram os atos imorais investigados pela Operação Lava Jato.

Diversas virtudes podem ser observadas, tais como: anonimato, liberalidade, magnificência, temperança e justiça.

É possível afirmar que os membros dos poderes em comento praticaram condutas eivadas de vícios, pecaram em todas as virtudes supracitadas, ou seja, não seguiram, em definitivo, o “caminho do meio”.

Os deputados federais, senadores, presidentes da república e seus ministros de Estado não agiram com Justiça, pois feriram a Lei Objetiva e até mesmo o Direito Natural. Foram ambiciosos, afastando-se da modéstia, não agiram com a justa liberalidade, pois não trataram de forma correta o dinheiro público, bem como afrontaram a magnificência, pois distribuíram e administraram erroneamente o erário. Além disso não houve temperança, pois uma vez corrompidos, deixaram-se seduzir pelos prazeres proporcionados pelo abuso de poder e pelo mau uso do dinheiro do País.

3.1.4. Poder Judiciário   

O Judiciário tem um grande papel nos rumos da Operação Lava Jato. Os magistrados recebem as denúncias oferecidas pelo Ministério Público e devem julgar os fatos ali narrados, sentenciando aqueles que ostentam a posição de réu nos processos instaurados.

Sobre o Poder Judiciário, algumas das virtudes morais podem ser analisadas no caso concreto. Temos a justiça, o justo orgulho, o anonimato e coragem.

A observância da virtude do justo orgulho afasta os magistrados das vaidades, visto que o papel do juiz é de conduzir o processo de forma imparcial, de forma que não pode pretender atender aos clamores do povo ou aos anseios midiáticos. O magistrado deve manter-se longe dos holofotes, atuando serenamente para manter a legalidade do andamento processual.

A justiça, virtude inerente à magistratura, vem sofrendo com alguns atos dos magistrados na condução da etapa judicial da operação, uma vez que em determinadas situações as garantias constitucionais referentes ao processo penal, não foram observadas, ou foram mitigadas. Conduções coercitivas, divulgações de escutas telefônicas, decretações de prisões temporárias quando cabíveis outras medidas cautelares. Vale ressaltar que é fundamental o bom papel do magistrado, uma vez que este deve portar-se como um verdadeiro juiz-garantidor, velando pelos direitos fundamentais do réu.

O anonimato funciona como um freio para as ambições dos juízes, pois é de suma importância a imparcialidade dos mesmos. Logo, o anonimato, combinado com o justo orgulho garantem a atuação imparcial do magistrado, assegurando a serenidade e sobriedade na condução dos feitos.

Por fim, observa-se a virtude da coragem. Os magistrados estão de frente com as maiores autoridades do país, deputados federais, senadores, chefes do executivo, como governadores e até mesmo presidentes e ex-presidentes da República, o que traz grandes responsabilidades. A temeridade, deficiência de coragem, precisa ser evitada para que os juízes posso exercer da melhor maneira possível as suas funções, podendo decidir de acordo com suas convicções, sem interferências externas ao processo.

3.1.5. Sociedade Civil

De acordo com o Ministério Público Federal (2016, p.01):

“Em um cenário normal, empreiteiras concorreriam entre si, em licitações, para conseguir os contratos da Petrobras, e a estatal contrataria a empresa que aceitasse fazer a obra pelo menor preço. Neste caso, as empreiteiras se cartelizaram em um “clube” para substituir uma concorrência real por uma concorrência aparente. Os preços oferecidos à Petrobras eram calculados e ajustados em reuniões secretas nas quais se definia quem ganharia o contrato e qual seria o preço, inflado em benefício privado e em prejuízo dos cofres da estatal. O cartel tinha até um regulamento, que simulava regras de um campeonato de futebol, para definir como as obras seriam distribuídas. Para disfarçar o crime, o registro escrito da distribuição de obras era feito, por vezes, como se fosse a distribuição de prêmios de um bingo”.

Empresas dos mais diversos setores acabaram por se envolver criminalmente na Operação Lava Jato. Porém o destaque vai para as empresas do setor da construção civil, que foram responsáveis por movimentar bilhões de reais em propina, em dinheiro ilícito.

Neste caso, aplicam-se todos os vícios relacionadas ao dinheiro (magnificência e liberalidade), bem como a ambição, a vaidade, intemperança. Os empresários contribuíram para a instauração da corrupção sistêmica, liberando quantias exorbitantes de dinheiro para concluir esquemas com os políticos brasileiros.

A ambição e a intemperança colaboraram para a perpetuação da ilicitude, já que os envolvidos desejavam auferir quantidades cada vez maiores de dinheiro, alimentando seus prazeres e eivando de vícios a sociedade brasileira. Vale ressaltar que a vaidade também pode ser analisada no caso em comento, pois os empresários valorizavam o poder que tinham ao desempenhar as atividades ilícitas que executavam, o que passava uma sensação de impunidade e intangibilidade, acreditavam estar acima dos rigores da Lei.

CONCLUSÃO

A Operação Lava Jato está sendo um marco histórico no combate à corrupção sistêmica arraigada no Brasil. Alcançado a classe política de todos os escalões e de todos os poderes constituídos da República brasileira Um marco também no que diz respeito à interpretação da Constituição Federal e das Leis ordinárias  uma vez que semanalmente o Supremo Tribunal Federal depara-se com o surgimento de questões de cunho constitucional e, sobretudo, hermenêutico, especialmente no que tange às garantias processuais e demais direitos fundamentais.

Observando a operação em comento sob a ótica da ética aristotélica podemos perceber que os vícios se sobressaem perante as virtudes. Os homens são tendem a não conseguir trilhar o “caminho do meio” proposto por Aristóteles, tendem a não permanecer virtuosos e acabam falhando em suas vidas, uma vez que a prática de condutas viciadas leva a uma vida falha, afastam o homem de encontrar o bem supremo.

Isso reflete em que estágio a sociedade brasileira se encontra, uma sociedade que se desviou do caminho da moderação, do “caminho do meio”. Porém, podemos observar um florescimento, uma evolução por parte da população brasileira.

A Operação Lava Jato está moralizando o país e, de certa forma, trazendo a sociedade para o caminho das virtudes. A atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário é exemplar e vem demonstrando que ninguém está acima da Lei, não há mais lugar para impunidade ou qualquer forma de intangibilidade política.

A ética aristotélica pode ser instrumento para dosar as condutas dos agentes envolvidos na operação, virtudes morais como coragem, justo orgulho, anonimato, temperança, justiça, entre outras, funcionam como balizas moralizadoras na construção de um Estado melhor e mais justo.

A justiça ganha destaque nesta análise, visto que é uma virtude cara ao Direito e esta ciência é aquela que legitima a operação em tela. Tal virtude tem sido renegada pelos envolvidos nos atos de corrupção, políticos e empresários malversaram o dinheiro público, causando prejuízos catastróficos à economia em ordem nacional, levando alguns estados da federação à falência.

Por outro lado, a virtude da justiça vem sendo observada pelos membros responsáveis pelo andamento da operação. A virtude da coragem combinada com a justiça alça atuação dos agentes a novos patamares de excelência, já que não estão mais se escusando de investigar, processar e sentenciar os criminosos, independentemente da posição que está na sociedade, independentemente do nível de autoridade que o acusado ostenta, o que é fundamental para a mudança paradigmática que está ocorrendo.

Assim, criando este paralelo entre a Operação Lava Jato e a ética aristotélica podemos analisar em um caso concreto a aplicação das virtudes morais trabalhadas por Aristóteles na sua emblemática obra “Ética à Nicômaco” e em como a operação vem refletindo positivamente na sociedade brasileira.

 

Referências
ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. 1a Ed. São Paulo: Marin Claret, 2015.
BERTI, Enrico. As Razões de Aristóteles. Trad. Dion Davi Macedo. São Paulo: Loyola, 1998.
DA SILVA, Cláudio Henrique. Virtudes e Vícios por Aristóteles e Tomás de Aquino: Oposição e Prudência. Artigo – Boletim do CPA, Campinas, 1998.
LORENZETTI, Josemar Pedro. Ética à Nicômaco de Aristóteles – Resumo e Análise. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, 2004.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Caso Lava Jato. Publicado em 1 de maio de 2017. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato/entenda-o-caso
REALE, Giovanni. Introducción a Aristóteles. Barcelona: Herder, 1985.
SILVEIRA, Denis. As Virtudes em Aristóteles. Artigo, 2017.

Informações Sobre o Autor

Antonio José Cacheado Loureiro

Professor de Direito da Universidade do Estado Amazonas. Mestrando em Direito Ambiental (Universidade do Estado do Amazonas)


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