A análise do veto presidencial da prorrogação da RECINE: poderá valer a pena esperar

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Resumo: O presente artigo visa analisar os aspectos técnicos e jurídicos do veto presidencial à prorrogação dos incentivos previstos na Lei 8.685/1993 (Lei do Audiovisual) contidos no Projeto de Lei de Conversão 18/2017, baseado na MP 770/2017, com base na a Lei Complementar 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, especialmente o art. 14 que dispõe sobre normas de gestão fiscal responsável, planejada e transparente, a fim de prevenir situações de desequilíbrio orçamentário. De conseguinte, tem por escopo tratar a nova proposta de prorrogação da RECINE com a inclusão dos jogos eletrônicos por intermédio da criação do art. 3º-B  na lei do Audiovisual e o reconhecimento expresso dos jogos eletrônicos como obra audiovisual.

Palavras-chave: Direito Tributário. Jogos Eletrônicos. Fomento Indireto. Lei do Audiovisual. RECINE.

Abstract: This article aims to analyze the technical and legal aspects of the presidential veto to the extension of the incentives provided for in Law 8,685 / 1993 (Audiovisual Law) contained in Draft Law 18/2017, based on MP 770/2017, based on the Complementary Law 101/2000 – Fiscal Responsibility Law – LRF, especially the art. 14 which provides for responsible, planned and transparent fiscal management standards in order to prevent situations of budgetary imbalance. Consequently, it is intended to address the new proposal for the extension of RECINE with the inclusion of electronic games through the creation of art. 3º-B in the Audiovisual Law and the express recognition of electronic games as an audiovisual work. 

Keywords: Tax Law. Electronic games. Indirect Promotion. Audiovisual Law. RECINE.

Sumário: Introdução. O RECINE e a lei de responsabilidade fiscal. Da MP 796 e sua nova emenda. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Recentemente foi amplamente veiculada na mídia a notícia de veto da prorrogação dos incentivos previstos na Lei 8.685/1993 (Lei do Audiovisual). Apesar da prorrogação ter sido aprovada pelo Congresso Nacional, a decisão do veto foi publicada no dia 24 de agosto de 2017. Sendo certo que há ainda uma certa urgência para que a referida prorrogação seja aprovada, haja vista que os incentivos fiscais findariam em 31 de dezembro de 2017, nos termos da redação dada pela Lei nº. 13.196 de 2015.

O Projeto de Lei de Conversão 18/2017, baseado na MP 770/2017 que fora aprovado pelo Congresso Nacional, foi vetado pelo presidente Michel Temer devido à ausência de estudo de impacto orçamentário, tendo em vista as alterações feitas no texto original. Esclareça-se que o estudo é uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. A MP publicada originalmente previa a renovação do RECINE até 31 de dezembro deste ano, incluindo o estudo de impacto orçamentário somente para este período e não para a extensão pretendida.

1. O RECINE E A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

De certo que o Regime Especial de Tributação para desenvolvimento da Atividade de Exibição Cinematográfica – RECINE, trata de verdadeira hipótese de incentivo fiscal, diferentemente da isenção tributária que é um instrumento de Direito Tributário. Desse modo, o incentivo fiscal é um mecanismo financeiro que se situa na seara extrafiscal para o desenvolvimento de políticas públicas.

Conceitualmente, o incentivo fiscal implica na redução da receita pública de natureza compulsória ou na supressão de sua exigibilidade. Funcionando como um instrumento do dirigismo econômico; visando desenvolver economicamente determinada região ou certo setor de atividade. Em outras palavras, é um mecanismo de intervenção do Estado na economia que tem por escopo o estímulo da atividade.

Nesse sentido, a Lei Complementar 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), limita a ação do legislador na concessão de incentivos de natureza tributária nos termos do art. 14, in verbis.

“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que  trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. (…) ”.

Desse modo, o art. 14 da LRF têm por escopo alcançar as metas previstas no art. 1° da LRF, por meio de uma gestão fiscal responsável, planejada e transparente, a fim de prevenir situações de desequilíbrio orçamentário. Por isso, impõe limites e condições para a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício que implique renúncia de receita pública. Não interfere, nem cria obstáculos à concessão de benefícios ligados às receitas não tributárias, como é o caso dos privilégios outorgados aos usuários de serviços públicos concedidos.

A LRF limita o poder de renunciar tributos que é corolário do poder de instituir, fiscalizar e arrecadar. A criação de tributos encontra limitações de ordem constitucional, enquanto que a renúncia de tributos encontra limitações de natureza legal e infraconstitucional. Portanto, o nível de imposição tributária, ou a concessão de incentivos fiscais não se inserem na seara do direito tributário, mas no campo da política tributária.

De conseguinte, o inciso I condiciona o ente político concedente do benefício à demonstração prévia de que a renúncia pretendida foi considerada na estimativa da receita na Lei Orçamentária Anual – LOA – na forma do art. 12 da LRF, e que não afetará as metas dos resultados fiscais previstos nos anexos da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO.

Na sequência, o inciso II exige que a proposta de renúncia esteja acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio de aumento da carga tributária mediante elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo.  Prescreve o § 2°, do art. 14, que a vigência do incentivo ou benefício, decorrente de medidas de compensação da perda de arrecadação fica condicionada à efetiva implementação dessas medidas, de sorte a não provocar qualquer desequilíbrio nas contas públicas.

Com as exigências previstas nos dois incisos comentados torna-se inviável, juridicamente, a supressão pura e simples do encargo tributário, para atender aos diversos interesses políticos divorciados do interesse público primário, principalmente diante da necessidade da apresentação do estudo técnico documental agrupando os requisitos apostos nos incisos I e II do art. 14 da LRF. O que deve ser devidamente observado quando houver proposta de alteração legislativa, inclusive para a prorrogação do prazo aposto no art. 1º da Lei do Audiovisual.

Portanto, conclui-se que o veto presidencial foi tecnicamente correto. Por outro lado, é de se ressaltar que o cinema brasileiro tem funcionado em regime de plena produtividade com mais de 150 longas metragens no ano de 2016 e uma previsão concreta para ultrapassar essa meta em 2017, o que gera empregos e renda para o país. Conforme a carta de Gramado de 2017, escrita após o Festival de Gramado, a atividade cinematográfica comporta aproximadamente 250 mil empregos diretos e indiretos, representando meio por cento do PIB anual brasileiro.

Diante disso, parece que o governo tem demonstrado certa preocupação com o tema e vem tomado medidas para acelerar o processo de aprovação da prorrogação da RECINE na Lei do Audiovisual.

2. DA MP 796 E SUA NOVA EMENDA

Nesse diapasão foi apresentada uma emenda pelo deputado Thiago Peixoto à Medida Provisória 796, que propõe a criação do art. 3º-B da Lei do Audiovisual, a qual beneficiários da remessa, entrega ou pagamento pela aquisição ou remuneração de direitos relativos à exploração de jogos audiovisuais eletrônicos no país poderão beneficiar-se de abatimento de 70% do imposto devido, desde que invistam no desenvolvimento de jogos audiovisuais eletrônicos brasileiros independentes[1].

Sem fazer um juízo de valor acerca das sucessivas prorrogações da medida e da avaliação da política pública per se, é irrefutável que se trata de um marco histórico para a indústria de jogos eletrônicos, pois além de viabilizar mecanismo de fomento indireto, registrará expressamente o termo “jogos audiovisuais eletrônicos”, o qual irá explicitar a posição de que os jogos eletrônicos são, de fato, software e obra audiovisual, conforme já defendido no artigo “Jogo Eletrônico não pode ser considerado obra audiovisual para fins tributários” [2].

Ora, é cediço que o mercado audiovisual está completamente diferente daquele idealizado pelos legisladores quando foi pensada a MP 2.228-01/01, porquanto foi definido apenas os conceitos de obra  cinematográfica e videofonográfica, ainda que de modo bastante incipiente.

Confira-se o texto da MP 2.228-01/01:

“Art. 1º da MP 2.228-01/01 (…)

II – obra cinematográfica: obra audiovisual cuja matriz original de captação é uma película com emulsão fotossensível ou matriz de captação digital, cuja destinação e exibição seja prioritariamente e inicialmente o mercado de salas de exibição;

III – obra videofonográfica: obra audiovisual cuja matriz original de captação é um meio magnético com capacidade de armazenamento de informações que se traduzem em imagens em movimento, com ou sem som;”

Assim, os jogos eletrônicos, por não estarem abarcados nas definições legais, constituem um terceiro gênero não previsto pelo legislador.

Dessarte, a tendência que tem se apresentado ao longo dos últimos anos é a aproximação entre os jogos eletrônicos e o cinema que se torna cada vez mais evidente. Portanto, ambos os institutos – cinema e jogos eletrônicos devem ser encarados como simbióticos e não como compartimentos estanques ou dicotômicos. Dessa maneira, é necessário se estabelecer um critério de discrímen para que a exegese das leis fique mais racional, porquanto não se pode admitir um critério discricionário para sua aplicação. Nesse cenário, sugere-se a distinção entre obra audiovisual stricto sensu e obra audiovisual lato sensu.

Ao longo dos tempos o termo “audiovisual” foi utilizado pela indústria, pelo poder público e pelos legisladores para se referir à obra videofonográfica e cinematográfica, logicamente sem excluir os projetos transmidiáticos. Nesse sentido, para fins de esclarecimento, entende-se aqui por interpretar essas obras audiovisuais originalmente pensadas pelo legislador como obra audiovisual stricto sensu e os jogos eletrônicos como um terceiro gênero de obra audiovisual, se enquadrando no conceito de obra audiovisual lato sensu.

Dito isso, não obstante a concessão de incentivos fiscais não se inserir propriamente na seara do direito tributário, mas no campo da política tributária, alguns juristas podem entender que aplicar-se-ia o disposto no art. 111 do CTN[3] cuja interpretação restritiva deve ser aplicada aos casos de benefícios fiscais. O que daria margem para discussão acerca da aplicação dos institutos da Lei do Audiovisual para os jogos eletrônicos caso não houvesse a sua menção expressa nessa tentativa de inclusão do art. 3º-B, pois poder-se-ia entender que a palavra “audiovisual” aposta na lei seria apenas para as obras audiovisuais stricto sensu e não lato sensu.

3. CONCLUSÃO

Dessa maneira, conclui-se que a inclusão do termo “jogos eletrônicos” ou “jogos audiovisuais eletrônicos” será providencial para evitar inúmeros imbróglios jurídicos e discussões judiciais. Assim, é bastante elogiável que os jogos eletrônicos sejam utilizados pelo legislador de forma expressa tal como proposto. Demonstrando assim a vontade inequívoca do legislador de conceder o benefício fiscal a essas categorias e, indiretamente, reconhece-la como obra audiovisual para fins de direito administrativo e do entretenimento.

Portanto, tal como no mito de Penélope[4] que teceu a mortalha por diversas noites à espera do herói Ulisses que, ao final, acabou retornando para casa de sua viagem na qual havia sido convocado para a guerra de Tróia; valerá a pena a espera para a prorrogação do incentivo fiscal que trará a inclusão do art. 3º-B na Lei 8.685/1993.

 

Notas
[3] Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
– suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II – outorga de isenção;
III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

[4] Penélope, filha de Iraco, mulher de Ulisses e mãe de Telémaco, após a viagem do marido Ulisses para a guerra de Tróia, sugere aos seus novos pretendentes que tentem demovê-la com dádivas em vez de lhe gastarem os bens. Face à insistência dos pretendentes, prometera escolher um deles logo o que acabasse de tecer a mortalha de Laertes, porém todas as noites desfazia, à luz dos archotes, o trabalho diurno, até que ao fim de três anos, as criadas a denunciaram. Ela propôs a prova do ano como promessa de casar com o vencedor, precisamente na altura em que se acumulam as provas de que Ulisses está vivo e vai regressar. Telémaco, seu filho, já estava crescido e Penélope sua esposa estava rodeada de pretendentes. Então pediu a Atena que o ajudasse, e esta disfarçou-o de simples mendigo. Penélope tecia um véu de dia, cujo seu térmico seria a data em que teria de escolher com quem se casaria e desmanchava grande parte durante a noite na esperança de ainda rever Ulisses. Penélope organizou uma disputa entre os pretendentes que consistiu em que o que conseguisse armar e soltar uma flecha do arco de Apolo que este dera a Ificlo e este dera a Ulisses seria o escolhido. Nenhum pretendente conseguira tal façanha. Apenas Ulisses disfarçado de mendigo e já no interior do palácio o conseguiu. De imediato, com a ajuda do filho Telémaco e de outros que o haviam reconhecido antes, inicia a expulsão feroz de todos os pretendentes que, há vários anos, gastavam as riquezas de Ítaca, mantendo-se no palácio. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Pen%C3%A9lope>Acesso em: 14 de setembro de 2017.


Informações Sobre o Autor

Magno de Aguiar Maranhão Junior

Professor, Especialista em Regulação da Agência Nacional do Cinema, Advogado. Pós-Graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro -EMERJ, Pós-Graduado em Direito Civil Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ


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