A primazia da realidade e a boa-fé contratual no âmbito do regime de trabalho: o caso da fundação renascer de Sergipe

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Resumo: Este artigo traz uma abordagem jurídica da boa-fé contratual e da primazia da realidade no âmbito dos contratos de trabalho firmados com agentes de segurança da Fundação Renascer do Estado de Sergipe, que, aprovados em concurso público, devem perfazer uma jornada ordinária de até 44 horas semanais. Porém, por acordo de vontades entre as partes, podem passar a exercer seu múnus em regime de plantão, em escalas de 24 x 72 horas, sem que isto signifique haver violação à legislação trabalhista, especialmente no que diz respeito ao direito ao intervalo intrajornada e à indenização por horas extraordinárias. Por um viés principiológico, analisam-se as demandas tais direitos trabalhistas perante o Judiciário especializado, a fim de confrontá-las com os princípios da boa-fé nas relações contratuais e da primazia da realidade, indissociáveis das relações empregatícias, ainda que no âmbito da administração pública indireta.

Palavras-chave: Primazia da realidade. Boa-fé. Jornada de trabalho. Regime de plantão. Agentes de Segurança.

Abstract: This article provides a legal approach to contractual good faith and the primacy of reality in the context of employment contracts signed with Renascer Foundation security agents in the state of Sergipe, which approved in tender, must complete an annual journey to 44 hours per week. However, by agreement of wills between the parties can go to exercise their function in shifts, on scales of 24 x 72 hours, without this meaning be violation of labor laws, especially regarding the right to intra-day interval and to compensation for overtime. For a principles matter, analyze the demands such labor rights to the specialized courts in order to confront them with the principles of good faith in contractual relations and the primacy of reality, inseparable from employment relationships, even within the indirect public administration.

Keywords: Primacy of reality. Good faith. Working hours. duty regime. Security agents.

Sumário: Introdução; 1. A Fundação Renascer e a sua natureza jurídica; 2. O regime de trabalho dos agentes de segurança da Fundação Renascer do Estado de Sergipe; 3. A jornada laboral e os princípios da primazia da realidade, da condição mais benéfica e da boa-fé nos contratos de trabalho; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A relações laborais hodiernas são cada vez mais complexas e, assim como as relações humanas em geral, as relações entre empregadores e empregados devem ser pautadas pela máxima transparência e clareza de objetivos, bem como pela boa-fé da conduta de cada parte ao cumprir o seu mister.

Em Sergipe, o trabalho de guarda e tutela socioeducativa de crianças e adolescentes em conflito com a lei e em situação de risco cabe aos agentes de segurança da Fundação Renascer, que é atualmente uma fundação pública dotada de personalidade jurídica de direito público, com patrimônio próprio e autonomia administrativa, financeira e técnica. 

Integrante da Administração Estadual indireta, a referida fundação é vinculada à hoje denominada Secretaria de Estado da Inclusão, Assistência e do Desenvolvimento Social e tem como objetivo é operacionalizar e executar a política estadual de assistência e proteção a criança e ao adolescente em situação de risco pessoal e social.

Para que a Fundação Renascer cumpra a sua missão de executar as ações de prevenção e as medidas de proteção e socioeducativas com eficiência, eficácia e efetividade, garantindo os direitos previstos em lei e contribuindo para o retorno da criança e adolescente ao convívio familiar e comunitário como protagonista de sua história[1], faz-se necessário o valoroso trabalho dos agentes de segurança que, como servidores públicos habilitados em concurso público específico, devem ter como referência o atendimento à criança e ao adolescente pautado na humanização, com ética e transparência, ajudando a própria instituição a manter uma gestão responsável dos recursos públicos.

Porém, ao buscar melhores condições de trabalho e de remuneração, por vezes os trabalhadores exacerbam as sua pretensões, passando a confrontar princípios basilares da mesma ética no serviço público, bem como princípios estruturantes do direito laboral, uma vez que regidos pelo regime celestista, sobretudo os princípios da primazia da realidade, da condição mais benéfica e da boa-fé nos contratual,  como o que tem ocorrido no âmbito da Fundação Renascer quanto ao regime de trabalho em plantões.

Assim, neste estudo utiliza-se da abordagem qualitativa, com o levantamento documental e dos precedentes judiciais que ilustram as hipóteses aqui tratadas, bem como são trazido à baila os entendimentos doutrinários respeito do tema, por meio de levantamento da bibliografia especializada, com o fito de demonstrar a correspondência do problema suscitado com as hipóteses da pesquisa.

Dessa forma, o primeiro capítulo busca traçar o perfil jurídico da personalidade da Fundação, criada ainda no século passado. O segundo capítulo traz o panorama acerca do estabelecimento da jornada de trabalho dos agentes de segurança e no terceiro e último capítulo apresentam-se as confrontações entre as demanda judiciais e os princípios jurídicos ditos violados, cumprindo o objetivo de demonstrar que a conduta em juízo dos empregados afronta flagrantemente, os ditames do direito laboral.

1. A FUNDAÇÃO RENASCER E SUA NATUREZA JURÍDICA

A redemocratização do Brasil, iniciada em meados dos anos 1980 e que foi culminada com a promulgação da Carta Magna de 1988, trouxe uma série de transformações no trato dos direito humanos, a partir dos direitos e garantias individuais e direitos sociais elencados à exaustão no novo texto constitucional.

Ante tais transformações, a estrutura até então existente para a proteção da criança e do adolescente, arcaica e ditatorial, recebeu um novo paradigma: o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990. O novel estatuto trouxe uma série de princípios inovadores a fim de que os direitos das crianças e adolescentes fossem em fim levados à sério, o que, por consequência, impôs mudanças estruturais nos níveis estadual e municipal, tanto nos órgãos de acolhimento de crianças e adolescentes, quando nos órgãos vinculados à segurança pública, tudo sob a perspectiva do melhor interesse do menor.

Assim, em Sergipe, a antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – FEBEM, criada pela Lei nº 2.009, de 30 de abril de 1976, passou a denominar-se Fundação Renascer do Estado de Sergipe – RENASCER, vinculada à Secretaria de Estado da Ação Social, a partir da edição da Lei nº 2.960, de 09 de abril de 1991.

Apesar da criação em 1991, sua organização básica, até então basicamente composta por cargos em comissão, foi definida apenas no ano seguinte, pela Lei nº 3.242, de 04 de novembro de 1992, que dispôs sobre a organização básica da Fundação Renascer do Estado de Sergipe – RENASCER, definindo-a uma Fundação Pública, integrante da Administração Estadual Indireta, vinculada à Secretaria de Estado da Ação Social – SEAS, dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e autonomia administrativa, financeira e técnica, regida por estas leis, pelo seu Estatuto e pelas demais disposições legais e regulamentares que lhe forem aplicáveis.

Como o objetivo de operacionalizar e executar a política do Governo Estadual relativa à assistência social e à proteção especial da Criança e do Adolescente carentes e em situação de risco pessoal e social, mediante atuação no desempenho das seguintes atividades, a Lei nº 3.242/1992 estipulou que seguintes ações constituem as suas áreas de competência:

“I – Promover estudos, pesquisas e interpretação sistemática da realidade da Criança e do Adolescente no Estado de Sergipe, de forma a permitir a formulação de programas de trabalho e avaliação dos seus resultados;

II – Prestar assistência social e educacional à criança e ao adolescente carentes e em situação de risco pessoal e social, inclusive promover e manter programas de creches, pré-casulo, e atendimento de crianças de 0 (zero) a seis anos de idade; 

III – Promover estudos, cursos, seminários, congressos e outros eventos relacionados à promoção e assistência social da Criança e do Adolescente;

IV – Proceder o adequado treinamento e aperfeiçoamento profissional do pessoal técnico e auxiliar necessário, para a consecução dos objetivos da entidade;

V – Suscitar o interesse e a mobilização da comunidade para a participação conjunta na solução dos problemas atinentes à Criança e ao Adolescente, e à sua família;

VI – Proporcionar assessoramento técnico-profissional às entidades não-governamentais ligadas aos problemas da Criança e do Adolescente, quando solicitado;

VII – Prestar assessoramento técnico às Prefeituras Municipais, nos assuntos relativos ao desenvolvimento das ações que assegurem o pleno atendimento à Criança e ao Adolescente no âmbito de seus Municípios;

VIII – Prestar assessoramento técnico às Prefeituras Municipais, nos assuntos relativos ao desenvolvimento das ações que assegurem o pleno atendimento à Criança e ao Adolescente no âmbito de seus Municípios;

IX – Celebrar Convênios, Acordos e Contratos com órgãos e entidades públicas e privadas, objetivando o bem-estar da Criança e do Adolescente;

X – Adotar medidas preventivas capazes de minimizar os efeitos da desestruturação socioeconômico da Criança, do Adolescente e de sua família;

XI – Promover a articulação institucional entre as entidades públicas e privadas, visando a implantação e a operacionalização de programas de trabalho destinados à assistência integral e à proteção da Criança e do Adolescente;

XII – Executar as atividades que forem determinadas pela secretaria de Estado a que esteja vinculada, visando atender as diretrizes traçadas pelo Governo do Estado, nas áreas de sua competência”. 

E foi a partir da personalidade jurídica de direito privado que lhe foi conferida pela lei e pelo seu estatuto, aprovado pelo seu Conselho de Administração, homologado por Decreto do Poder Executivo e registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas, a Fundação Renascer do Estado de Sergipe, com sede e foro na Cidade de Aracaju, porém com atuação e competência, na sua área de ação, em todo o território do Estado de Sergipe, que a Fundação Renascer passou a firmar vínculos de trabalho com seus agentes com fulcro na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, o que tem pautado o seu regime de trabalho e consequentes deveres e vantagens de correntes do vínculo empregatício.

Em 17 de janeiro de 2003 foi editada a Lei nº 4.749, que em nada alterou a organização básica da Fundação Renascer, apenas continuou a vinculá-la à então denominada Secretaria de Estado do Combate à Pobreza, da Assistência Social e do Trabalho – SECPAST.

Porém, a partir da edição da Lei nº 7.848, de 12 de maio de 2014, que alterou o paragrafo único do art. 1º, art. 12 e o inciso V do art. 16 da lei nº 3.242 de 04 de novembro de 1992, a Fundação Renascer de Sergipe passou pela primeira grande reforma jurídica em sua estrutura, passando a ser dotada de personalidade jurídica de direito público e, com isso, a gozar das prerrogativas e obrigações inerentes às pessoas jurídicas de direito público, bem como àquelas condizentes com a Fazenda Pública em juízo.

Nada obstante isso, o regime jurídico dos seus agentes de segurança, contratados mediante concurso público e com vínculo empregatício permanece o mesmo, uma vez que não há mais qualquer obrigatoriedade constitucional quanto à adoção de regime jurídico único na Administração Pública.

Assim, diversas são as demandas trabalhistas que são submetidas à apreciação da Fundação Renascer, em juízo e fora dela, demandas estas que nem sempre se coadunam com a realidade fática e jurídica do regime jurídico a que são submetidos os seus agentes, muitas vezes em violação ao próprio princípio da boa-fé contratual, como se verá mais adiante.

2. O REGIME DE TRABALHO DOS AGENTES DE SEGURANÇA DA FUNDAÇÃO RENASCER E DAS SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

Com a realização de concursos públicos que visaram atender ao que dispõe a Constituição Federal a respeito da missão estatal em defesa das crianças e dos adolescentes, a Fundação Renascer contratou diversos agentes de segurança, os quais tem o dever de cumprir os objetivos e finalidade da instituição com afinco e responsabilidade, atendendo á sua jornada laboral estipulada na lei e no edital do certame.

Assim, em respeito à legislação que disciplina a estrutura estatal da Fundação Renascer, tais agentes foram contratados para cumprir uma jornada de trabalho semanal de 44 horas semanais, o que implica o cumprimento do horário administrativo, sem escalas ou plantões, perfazendo oito horas diárias de segunda a sexta-feira.

No entanto, nos últimos anos, mais precisamente após as convocações do concurso público realizado em 2008, em virtude da necessidade de permanente vigilância das acomodações destinadas aos menores em conflito com a lei e em situação de risco, além da condução de adolescentes ao Ministério Público e ao Judiciário, a jornada de trabalho foi modificada para atender, também ao interesse dos próprios agentes de segurança, que manifestaram a sua preferência pelo trabalho em regime de plantões, o que lhes beneficiaria com folgas proporcionais à sua jornada diária, uma vez que a cada 24 horas trabalhadas em sequencia o agente tem direito a 72 horas de descanso consecutivas.

Diante da jornada de trabalho mais benéfica, muitos agentes de segurança exercem outras atividades remuneradas paralelamente, seja como profissionais liberais, como corretores de imóveis, entre outros, seja no comércio, ou até mesmo mantinham dois vínculos com o poder público, em instituições estaduais ou municipais, de forma irregular, simplesmente porque a jornada de trabalho em plantões lhes oferece essa condição benéfica, com um tempo efetivamente elástico não só para o descanso, como também para que se exerça outra atividade, como frequentar cursos educacionais em instituições de ensino superior.

Afora isso, a citada jornada laboral é também favorável ao obreiro justamente por garantir maior tempo dedicado à família e afazeres sociais na medida em que garante várias horas consecutivas para desfrutar como melhor entender.

Impende salientar, por fim, que, uma vez que o regime de trabalho em plantões não é obrigatório, cada agente socioeducativo pode optar, diante do regime jurídico vigente e do regime de trabalho em que foi contratado, trabalhar tanto no horário administrativo, das 44 horas semanais, como em regime de plantão, das 24h x 72 horas, uma vez que não há qualquer imposição de ordem legal, mas sim uma opção por preferência dos agentes de segurança em razão dos benefícios que recebem nesta jornada.

Porém, a despeito da condição mais benéfica aos trabalhadores, diversos empregados da Fundação Renascer do Estado de Sergipe tem recorrido à Justiça Obreira com o objetivo de reclamar condições e benesses que são claramente incompatíveis com a sua manifestação livre de vontade, em confronto direto com os princípios mais comezinhos do direito do trabalho e dos contratos em geral. É que será estudado no próximo capítulo.

3. A JORNADA LABORAL E OS PRINCÍPIOS DA PRIMAZIA DA REALIDADE, DA CONDIÇÃO MAIS BENÉFICA E DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS DE TRABALHO

A importância dos princípios no direito laboral, já inundado de normas positivadas, é imensa, uma vez que, no dizer do uruguaio RODRIGUEZ (2000, p. 26):

“Por meio dos princípios, a tarefa jurisprudencial vai difundindo-se e ordenando-se. Para essa tarefa de ordenamento, os princípios contribuem para dar solidez, firmeza e vigor a toda a disciplina.

O Direito do Trabalho continua acumulando normas. É indefinida a riqueza e variedade da vida prática. Para ordenar, condensar e esclarecer esse conjunto de normas deve haver critérios diretores. Os princípios contribuem para sua indicação”.

De acordo com o princípio da primazia da realidade, os fatos prevalecem sobre a forma, ou seja, havendo desacordo entre a realidade e aquilo que está documentado, deverá prevalecer à realidade. Esse princípio tem grande importância para o Direito do Trabalho, uma vez que é possível a existência de contrato de trabalho tácito, ou seja, que só pode ser verificado com a prática do trabalho, sem uma documentação formal.

Nesse sentido, segue a opinião de CARVALHO (2011, p. 65):

“Quando tratamos do princípio da primazia da realidade estamos em âmbito mais restrito. Já não mais nos ocupa a necessidade de indicar a natureza do contrato que dá origem ao vínculo de emprego, mas cuidamos de perceber, tão-somente, que documentos expressando hipótese diversa da real não têm efeito jurídico, porque haverá de prevalecer, sempre, a realidade. E se o ajuste inicial previa o labor em condições diferentes, também essa circunstância não terá maior relevo, pois interessará o fato real, a verdadeira condição de trabalho, a partir do instante em que a energia de trabalho esteve disponível”.

Cabe aqui demonstrar a aplicação da primazia da realidade e do reconhecimento da autonomia da vontade dos agentes de segurança em laborar no regime de escalas de 24×72 horas, por ser infinitamente mais vantajoso para toda sua categoria, como tem sido declarado por vários agentes de segurança que prestaram depoimentos como testemunha em demandas judiciais em face da Fundação Renascer.

Ocorre que parte desses mesmos agentes tem alegado que trabalharam em regime de plantão, inicialmente laborando no regime de escalas de 12×36 horas e depois passaram a trabalhar no regime de escaldas de 24×72 horas, aduzindo que não havia gozo de intervalo intrajornada.

Porém, a realidade do trabalho de tais agentes mostra que o regime de trabalho de tais agentes compreendem longos períodos de descanso e alimentação, o que garante período de descanso de, no mínimo, uma hora, próximo ao horário de almoço e longas horas de descanso, principalmente no período noturno, após o recolhimento dos adolescentes nos respectivos quartos, atividade que é realizada às 18h00 em todas as unidades da Fundação Renascer.

Ademais, o regime de plantão 24×72 horas permite o fornecimento de 05 (cinco) intervalos para alimentação (03 refeições e 02 lanches) para todos os agentes de segurança, o que somente foi alterado pelo fornecimento via tíquete alimentação, consoante consta dos processos consultados, com a permanência de idêntica sistemática para a garantia do descanso.

Assim, a condição mais benéfica, ainda mais nesse caso, releva-se como desdobramento da princípio da proteção, que segundo BERNANDES (2015, p. 28), tem duas vertentes: a) interpretativa: a interpretação da cláusula contratual deve ser a mais favorável ao trabalhador; b) hierárquica: as condições mais benéficas previstas no contrato de emprego ou regulamento da empresa, ainda que implícitas, observadas com habitualidade, deverão prevalecer diante de novas normas desfavoráveis ao empregado.

Sobre a condição mais benéfica enquanto princípio, anota o ilustre DELGADO (2012, p. 197) que:

“O que o principio abrange são as clausulas contratuais, ou qualquer dispositivo que tenha, no Direito do Trabalho, essa natureza. Por isso e que, tecnicamente, seria mais bem enunciado pela expressão principio da clausula mais benéfica.

Incorporado pela legislação (art. 468, CLT) e jurisprudência trabalhistas (Sumulas 51, I, e 288, TST), o principio informa que clausulas contratuais benéficas somente poderão ser suprimidas caso suplantadas por clausula posterior ainda mais favorável, mantendo-se intocadas (direito adquirido) em face de qualquer subsequente alteração menos vantajosa do contrato ou regulamento de empresa (evidentemente que a alteração implementada por norma jurídica submeter-se-ia a critério analítico distinto)”.

Ora, se por um lado o regime de trabalho em escalas acarreta sobrecarga maior de trabalho, por outro viés, possibilita que o empregado dispense maior tempo dedicado à sua família e a seus afazeres sociais, na medida em que dispõe de várias horas consecutivas para desfrute como melhor entender. Além do fato de o trabalhador poder ser organizar melhor e otimizar seu tempo de folga. O regime não é prejudicial, devendo ser considerado plenamente válido.

E mais, o artigo 58 da CLT reza a seguinte redação: “A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite”. O fato é que os agentes de segurança da Fundação Renascer têm fixado em seu contrato de trabalho que a jornada de trabalho se daria de 44 horas semanais, com possibilidade de turno extraordinário (cláusula segunda, item 2.4, do contrato padronizado).

Além disso, a classe de agentes de segurança sempre pugnou por laborar nessa jornada de plantões, consoante termos de negociações inclusive junto ao Ministério Público do Trabalho, o que por si só revela a incompatibilidade com o pleito de indenizações sobre horas extraordinárias laboradas em regime de plantão.

No que tange ao intervalo intrajornada, outro pleito constante em face da Fundação Renascer em juízo, é imperioso ressaltar que o regime de plantões aplicado compreende longos períodos de descanso e alimentação, o que garante período de descanso de, no mínimo, uma hora, próximo ao horário de almoço e longas horas de descanso, no período noturno, consoante já fora citado neste artigo.

Soma-se a isso, o fato de que o repouso de uma hora é permitido a partir da divisão da equipe de segurança em virtude da interrupção das atividades (atendimento médico, técnico, atividades escolares, profissionalizantes, etc.) no período compreendido entre 11h30min a 14h00min e atrelado ao fornecimento da alimentação dos adolescentes internos das unidades da Fundação.

É evidente que é humanamente impossível para um trabalhador laborar 24 horas ininterruptas e, à luz da realizada fática, o pleito de verbas flagrantemente indevidas pelos trabalhadores, dissociadas da verdade, poderiam causar extremo prejuízo ao erário estadual, já que a Fundação Renascer poderia ter arcar com condenações fruto de invenções e aventuras jurídicas lançadas ao bel prazer de seus empregados, que trabalham em jornada de 24×72 horas com a anuência de todos seus associados junto ao sindicato da categoria.

Em procedimento de mediação autuado sob o nº 001024.2012.20.000/0, proveniente da Procuradoria Regional do Trabalho da 20ª Região, registrou-se a análise de uma série de documentos, como também depoimentos prestados e, ao final, arrematou o douto órgão do MPT:

“No tocante ao intervalo intrajornada, registra-se que, a par da controversa discussão sobre a necessidade ou não de concessão do intervalo em jornada 24×72, a análise das folhas de ponto e a prova testemunhal colhida nos autos comprovam a concessão do intervalo”.

Demonstrou-se, neste contexto, a inexistência de trabalho em horas extras, bem como a fruição de intervalo para descanso e alimentação. E a própria categoria dos agentes de segurança, através de diversas assembleias ao longo de 2010, pugnou pela manutenção da citada jornada de trabalho (documentação em anexo encaminhada pelo Sindicato da categoria a Procuradoria Regional do Trabalho referente ao Procedimento de mediação nº 00238.2010.20.000/8), razão pela qual foi instaurado, em setembro/2012, o sobredito procedimento de mediação no âmbito do Ministério Público do Trabalho, no qual a categoria novamente expressou interesse pela manutenção da jornada 24×72 horas, porém não apresentou interesse em pactuar a celebração de acordo coletivo, como se vê na manifestação proveniente da Procuradoria Regional do Trabalho:

“No tocante aos temas relacionados à jornada de trabalho, cumpre esclarecer que, logo na primeira audiência realizada nos autos da Mediação 001024.2012.20.000/0, o sindicato informou que todos os agentes de segurança preferem laborar no regime 24×72.

Na ocasião, reputando ser exacerbada a contínua jornada de 24 horas em atividade que envolve risco à integridade física, questionei ao sindicato sobre a possibilidade de celebração de acordo coletivo alterando a jornada para 12×36. Contudo, o sindicato foi enfático ao negar a proposta, tendo inclusive informado que durante o turno de 24 horas os agentes usufruem intervalos, inclusive dormindo nos alojamentos.

De fato, é incontroverso o fato de que os agentes usufruem diversos intervalos durante o turno de 24 horas, como se vislumbra dos depoimentos sigilosos colhidos nos autos, bem como na prova produzida nos autos da RT 0002084-30.2010.5.20.0005 (acórdão de fls. do IC 251/2012) […] não cabe ao MPT ajuizar ação para cobrar o pagamento de eventuais diferenças pretéritas, até porque, conforme anteriormente salientado, a jornada de 24×72 teria sido implementada por interesse dos trabalhadores e não do empregador público”.

Resta evidenciado que parte da categoria dos agentes de segurança, que usufrui benefícios de uma jornada extremamente benéfica, busca, de forma consciente e indevida, obter benefícios incompatíveis com seu regime de trabalho, muitas vezes ventilando um falso descontentamento como mecanismo de angariar as fustigadas vantagens.

Salienta-se ainda que o período de trabalho durante o plantão é computado integralmente como trabalhado, a despeito de estar compreendido horário para alimentação e repouso, fato que não ocorre com a jornada regular de trabalho. O que certamente torna um regime amplamente favorável ao obreiro, como se pode aferir das decisões vinculadas ao Tribunal Regional do Trabalho da 20º Região abaixo transcritas:

“A petição juntada aos autos pela Reclamada (fl. 64), e não impugnada pelo Reclamante, comprova que o regime de compensação era desejado pela categoria, não havendo que se falar em pagamento de horas extras. Vale ressaltar que os regimes de compensação de jornada 12×36 e 24×72 são mais benéficos para o trabalhador, tendo em vista que o número de horas efetivamente trabalhadas é inferior ao regime de 44 horas semanais, isso sem contar os intervalos intrajornadas, que estão incluídos no turno de trabalho. Sendo assim, julgo improcedentes os pedidos”.[2]

“A Reclamada, em contestação, não diverge da escala de trabalho descrita na inicial, contudo defende a validade da adoção do regime de compensação tendo em vista a existência de prévio ajuste manifestado pelo Autor, através dos representantes de sua categoria. A Empregadora, afirma ainda, que o Reclamante possui diversos intervalos para descanso e que respeita o intervalo intrajornada. Não havendo controversa nos autos, com fundamento no art. 302, do CPC, declaro que o Autor trabalha mediante o regime de 24 horas de labor por 72 horas de descanso, sendo improcedente o pleito de horas extras diante da compensação da jornada inerente ao regime em questão.”[3]

“DA JORNADA DE TRABALHO. O reclamante não requer a declaração de nulidade do regime de trabalho adotado – plantão de 24 por 72 horas -, mas pede as horas extras excedentes da 44ª semanal, segundo ele em número de quatro por semana. Equivoca-se o reclamante. A semana tem sete dias e não oito. No regime de 24 x 72 horas, o reclamante trabalha um dia e folga três, ou seja, a cada quatro dias o reclamante trabalha um; em oito dias o reclamante trabalha dois dias, ou seja, 48 (quarenta e oito) horas, mas isso em oito dias, não em sete. Trabalhando um dia a cada quatro dias, o reclamante trabalha, em média, 6 horas por dia (24/4 = 6), portanto 42 (quarenta e duas) horas por semana (6 * 7 = 42), não havendo que se falar em horas extras. Indefiro o pedido. Quanto ao intervalo, é certo que o reclamante, até março de 2011 não tinha horário determinado para gozo do intervalo, mas é certo também que, além das três refeições, o reclamante tinha lanche às 10 e 15 horas. Como trabalham de 10 a 12 agentes por plantão, não se pode dizer que o reclamante, somadas todas essas paradas, não tirasse uma hora de intervalo. Indefiro o pedido.”[4]

“DA DURAÇÃO DO TRABALHO – relata o reclamante que no início do pagamento laborava em turnos de 12 x 36, no horário das 07 às 19 horas, sem intervalo intrajornada, com mudança para o turno de 24 x 72, também, com supressão do aludido intervalo. Sustenta que sua efetiva jornada era registrada em controles de ponto. A parte reclamada resiste à pretensão buscada, argumentando que ao longo do turno de serviço o autor usufruía de 05 intervalos para alimentação, dentre refeições e lanches, além de descanso de algumas horas no período noturno. Ao exame. A assertiva contida na vestibular de violação aos regramentos contidos na Seção III, do Capítulo II, do Texto Consolidado vai de encontro à prova oral produzida nos autos (ata de fls. 381/382), onde se constata que o reclamante usufruía, sim, de intervalos intrajornadas, num total médio diário de 3h20min, com liberalidade de se ausentar do local de trabalho no horário destinado ao almoço, e de mais duas horas de repouso no horário noturno, após as 22 horas. […] entendo que dentro da realidade fática da rotina de trabalho ora apresentada, o plantão de 12 x 36 ou de 24 x 72, com regular concessão de intervalos intrajornadas e repouso noturno, é mais benéfico para o obreiro, principalmente porque o total mensal é bastante inferior a 220 horas, no segundo caso. Os contracheques anexados comprovam o integral pagamento do adicional noturno devido. Com base nas razões expendidas, indefiro os pedidos de pagamento de horas extraordinárias, adicional noturno e parcelas reflexas.”[5]

“DA JORNADA DE TRABALHO – O reclamante afirmou na inicial que labora no regime 24X72. A reclamada não nega a jornada, afirmando, contudo, que se trata de regime mais favorável ao obreiro. Razão assiste à reclamada neste ponto, devendo ser aplicado o mesmo entendimento consubstanciado no regime 12X36, razão pela qual improcedem as horas extras e dobras pleiteadas, bem como reflexos respectivos.”[6]

“Das fichas de registro de jornada, percebe-se que até novembro de 2007, o regime de trabalho era diverso, ou seja, 12 x 36, a partir de então, 24 x 72. O regime 12 x 36 acarreta, por um lado, sobrecarga maior de trabalho, por outro viés possibilita que o empregado dispense maior tempo dedicado à sua família e a seus afazeres sociais, na medida em que dispõe de várias horas consecutivas para desfrute como melhor entender. O mesmo entendimento pode ser adotado em relação ao novo regime implantado pela Portaria nº 14/2008, em caráter experimental, uma vez que mesmo considerando a extrapolação em 04 horas em 03 semanas seguidas, na 4ª semana haverá labor em apenas 24horas semanais, e isso compensaria de sobra a extrapolação. Além do fato de o trabalhador poder ser organizar melhor e otimizar seu tempo de folga. O regime não é prejudicial, devendo ser considerado válido. Indefere-se o pedido de horas extras e incidências.”[7]

Como se vê, além de ser condição mais benéfica aos agentes de segurança, como já restou demasiadamente demonstrado, tais empregados, quer individualmente, quer representados pelo respectivo Sindicato têm manifestado inconfundível e expressa vontade de laborar na jornada de 24×72 horas, e mais, não aceitando sequer laborar na jornada de 12×36 horas, no entanto, há uma série de demandas judiciais em curso, outras já julgadas, como visto acima, em que se pleiteia em juízo direito que já é concedido pela Fundação Renascer, configurando senão uma litigância de má-fé, a violação à boa-fé contratual no âmbito do Direito do Trabalho.

Acerca do princípio da boa-fé nos contratos de trabalho, assinala CARVALHO (2011, p. 67):

“Age de boa-fé o sujeito da relação de trabalho, qualquer deles (empregado ou empregador), que tem conduta honesta em relação ao outro, não se valendo de comportamento insidioso ao executar a parte que lhe cabe no contrato.

Não obstante a conflituosidade quase sempre latente nas relações de trabalho, empregado e empregador não são adversários, devendo mover a ambos o mesmo desejo de prosperidade para a empresa, que alimenta a fonte do salário e do lucro. Os artigos 482 e 483 da CLT, ao indicarem a casuística da justa causa, em verdade estão a elencar hipóteses em que a conduta do empregado ou do empregador acarreta a quebra da confiança que um no outro depositava. Não há melhor expressão, no direito do trabalho em vigor no Brasil, da função informadora do princípio da boa-fé”.

Seguindo essa linha de raciocínio, o egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região firmou entendimento, tanto na 1ª quanto na sua 2ª turma, que não há qualquer vício no estabelecimento do regime de jornada dos agentes de segurança não previsto em lei e diferente daquele de 12×36 aceitável em caráter excepcional pela jurisprudência, apesar da ausência de acordo coletivo de trabalho, uma vez que ficou assentado perante o MPT o pacto firmado pelas partes pelo regime de 24×72 horas, afirmando o sindicato da categoria profissional que esse era o regime desejado pelos agentes de segurança da Fundação Renascer do Estado de Sergipe.

À luz do princípio da primazia da realidade em detrimento da forma, afirmou-se a validade da jornada na medida em que a mesma é aceita pelos trabalhadores que demonstram interesse pela manutenção desse regime. Trabalham 24 horas e têm direito a 72 horas de descanso, sendo que vários têm outra atividade remunerada. E ao concordar com tal escala, usufruir dos dias de folga inerentes ao plantão e depois ingressar em juízo para obter vantagens manifestamente indevidas, ainda mais postulando indenização por horas extras, ferem o princípio da boa-fé objetiva, já que há por parte desses trabalhadores o inequívoco interesse na manutenção do multicitado regime.

Confirma-se tal entendimento a partir dos seguintes arestos:

“RECURSO ORDINÁRIO. HORAS EXTRAS. ACORDO DE REGIME 24X72 NO INTERESSE DA CATEGORIA. INFORMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. REFORMA DA SENTENÇA. Havendo comprovação nos autos, através de ata assinada por membro do Ministério Público do Trabalho, de que o estabelecimento do regime de 24X72 foi do interesse da categoria, ofende o princípio da boa fé objetiva a ação de membro da categoria que postula horas extras com base nesse mesmo regime.

(TRT 20ª Região. RO nº 0002022-73.2013.5.20.0008. 2ª Turma. Relator: Des. Fabio Túlio Ribeiro. Publicado no DEJT em 18/12/2014)”.

“TRABALHO EM REGIME DE COMPENSAÇÃO DE 24×72 – CONCORDÂNCIA – PLEITO DE HORAS EXTRAS – INDEFERIMENTO – REFORMA DA SENTENÇA. Concordar o reclamante com o regime de 24 por 72 horas, usufruir dos dias de folga e depois ingressar em Juízo pleiteando o pagamento de horas extras fere o Princípio da Boa Fé objetiva. Reforma-se a sentença. (TRT 20ª Região. RO nº 0000134-35.2014.5.20.0008. 2ª Turma. Relatora: Des. Maria das Graças Monteiro Melo. Publicado no DEJT em 15/06/2015)”.

“TRABALHO EM REGIME DE COMPENSAÇÃO DE 24×72 – Concordar com tal escala, usufruir dos dias de folga e depois ingressar em juízo fere o Princípio da Boa Fé objetiva uma vez que há interesse na manutenção do regime mas depois ingressa-se em juízo postulando as horas extras.

(TRT 20ª Região. RO nº 0000531-03.2014.5.20.0006. 2ª Turma. Relator: Des. Jorge Antônio Andrade Cardoso. Publicado no DEJT em 17/04/2015)”.

“REGIME COMPENSATÓRIO DE 24 X 72-INTERESSE DA CATEGORIA-HORAS EXTRAS INDEVIDAS-PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. Evidenciado interesse da categoria pela adoção do regime compensatório de 24×72, ofende o princípio da boa fé objetiva, que estabelece um padrão ético de conduta das partes nas relações obrigacionais, a pretensão do reclamante à percepção de horas extras com base no referido regime.

(TRT 20ª Região. RO 0001174-83.2013.5.20.0009. 1ª Turma. Relator: Des. João Bosco Santana de Moraes. Publicado no DEJT em 14/04/2015)”.

“DA AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA – FALTA DE INTERESSE DE AGIR – NÃO CONHECIMENTO – Considerando-se que não houve sucumbência quanto ao pleito atinente ao intervalo intrajornada, ausente o interesse recursal, não se conhecendo do recurso quanto a esse ponto. HORAS EXTRAS. REGIME 24X72 NO INTERESSE DA CATEGORIA. REFORMA DA SENTENÇA. A comprovação nos autos de que o estabelecimento do regime de 24X72 foi do interesse da categoria, sendo, inclusive, mais benéfico ao trabalhador, ofende o princípio da boa fé objetiva a ação que pretende o reconhecimento de labor extraordinário. Recurso provido. (TRT 20ª Região. RO 0001174-83.2013.5.20.0009. 1ª Turma. Relatora: Desa. Rita de Cassia Pinheiro de Oliveira. Publicado no DEJT em 04/08/2015)”.

“REGIME COMPENSATÓRIO DE 24 X 72 – INTERESSE DA CATEGORIA-HORAS EXTRAS INDEVIDAS – PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.

Evidenciado interesse da categoria pela adoção do regime compensatório de 24×72, ofende o princípio da boa fé objetiva, que estabelece um padrão ético de conduta das partes nas relações obrigacionais, a pretensão do reclamante à percepção de horas extras com base no referido regime. Sentença que se mantém. (TRT 20ª Região. RO 0001174-83.2013.5.20.0009. 1ª Turma. Relator: Des. João Bosco Santana de Moraes. Publicado no DEJT em 16/06/2015)”.

Por fim, salutar a observação que faz Leal (2015) acerca da bilateralidade da boa-fé nos contratos de trabalho, assinalando que se deve ter em mente que a incidência da boa-fé no contrato de trabalho impõe a lealdade para ambas as partes, e não apenas do empregador, logicamente, se considerarmos o direito que todos temos de confiar que os demais ajam conosco com decoro. Daí decorre que os limites de conduta de ambas as partes nuca relação de trabalho não podem ser previamente fixados, pois a boa-fé é despida de conteúdo em si; somente no caso concreto é possível descobrir o equilíbrio entre os deveres do empregado, do empregador e a dignidade na relação laboral.

CONCLUSÃO

De todo o exposto, evidencia-se que o princípio da boa-fé contratual, tão festejado na doutrina civilista após a sua inclusão expressa no Código Civil de 2002, não é uma diretriz exclusiva daquele ramo privado do Direito, mas também se aplica aos contratos de trabalho, fazendo parte do dever de transparência e ética na conduta entre empregadores e empregados.

A realidade fática pode trazer necessidades perenes ou sazonais ao ambiente de trabalho, levando empregados a dialogarem com seus empregadores a respeito da melhor jornada de trabalho a ser cumprida, como tem ocorrido no âmbito da Fundação Renascer, que a despeito de ser atualmente pessoa jurídica de direito público, preserva relações empregatícias com seus agentes de segurança, aprovados mediante concurso público e que exercem suas atividades nas diversas unidades da fundação.

Para melhor cumprimento do seu mister, bem como em atendimento aos interesses dos próprios trabalhadores, a Fundação Renascer concedeu a todos os agentes de segurança a possibilidade de trabalhar em regime de escalas de plantões, inicialmente em 12×36 horas e posteriormente em 24×72 horas, o que implica em uma jornada que permite ao empregado público uma melhor administração do tempo livre, por ter mais dias de folga em sequência, bem como lhes proporciona a possibilidade de exercer outras atividades, sejam econômicas, educacionais ou de descanso e lazer com suas famílias.

No entanto, parte desses trabalhadores busca obter com a chancela do Poder Judiciário o melhor dos mundos: a realização dos plantões e a obtenção de indenização por horas extras, efetivamente não realizadas diante da carga horária semanal de trabalho a que são submetidos. Tal comportamento, como se viu, é violador de princípios basilares do direito do trabalho, como a primazia da realidade sobre a forma e o princípio da condição mais benéfica, como também afronta acintosamente o princípio da boa-fé contratual.

Tais pleitos indenizatórios, com seus consectários, têm sido recebidos pelas Varas do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região que, por vezes, têm acolhido parte dos pedidos deduzidos em juízo, muitas vezes por não terem vislumbrado a totalidade do panorama das declarações e provas produzidas nos autos. Porém, com a repetição das demandas de mesma natureza, causa de pedir e pedidos, as violações apontadas tem sido evidenciadas, o que levou as duas turmas julgadoras do TRT da 20ª Região a firmar o entendimento de que é indevida qualquer indenização decorrente da mudança para o regime de plantões com a concordância dos empregados, por ser condição mais benéfica aos trabalhadores, além de que tais indenizações, prejudiciais ao erário estadual, iriam de encontro ao princípio da boa-fé objetiva nas relações de trabalho.

Conclui-se, assim, que a magistratura laboral está atenta aos subterfúgios que podem ser utilizados nas demandas perante aquela Justiça especializada, às contradições decorrentes das posturas dos empregados, bem como, provocada pela construção inicial da defesa técnica promovida pela assessoria dos entes estatais, tem preservado o erário de desfalques indesejáveis e indevidos, desestimulando demandas desse jaez.

 

Referências
BERNARDES, Simone Soares. Direito do trabalho. Salvador: JusPODIVM, 2015.
CARVALHO, Augusto Cesar Leite de. Direito do trabalho: curso e discurso. Aracaju: Evocati, 2011.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012.
LEAL, Larrisa Maria de Moraes. Aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana e boa-fé nas relações de trabalho – As interfaces entre a tutela geral das relações de trabalho e os direitos subjetivos individuais dos trabalhadores. Disponível em: http://www.dnit.gov.br/download/institucional/comissao-de-etica/artigos-e-publicacoes/artigos-sobre-etica/ Principio%20da%20Dignidade%20e %20Boa%20Fe.pdf. Acesso em: 20/03/2016.
MPT. Procuradoria Regional do Trabalho da 20ª Região. Procedimento de mediação nº 001024.2012.20.000/0. Instaurado no ano de 2012. Transcrição disponível no Processo nº 0001174-83.2013.5.20.0009. Disponível em: www.trt20.jus.br. Acesso em 20/03/2016.
SERGIPE. Fundação Renascer do Estado de Sergipe. Disponível em: http://www.renascer.se.gov.br. Acesso em: 16 de março de 2016.
SERGIPE. Lei nº 2.009, de 30 de abril de 1976. Disponível em: http://www.al.se.gov.br/leis-ordinarias/leis-ordinarias-ler/?Numerolei=4124. Acesso em: 16 /03/2016.
SERGIPE. Lei nº 2.960, de 09 de abril de 1991. Disponível em: http://www.al.se.gov.br/leis-ordinarias/leis-ordinarias-ler/?Numerolei=2156. Acesso em: 16 /03/2016.
SERGIPE. Lei nº 3.242, de 04 de novembro de 1992. Disponível em: http://www.al.se.gov.br/leis-ordinarias/leis-ordinarias-ler/?Numerolei=1996. Acesso em: 16 /03/2016.
SERGIPE. Lei nº 4.749, de 17 de janeiro de 2003. Disponível em: http://www.al.se.gov.br/leis-ordinarias/leis-ordinarias-ler/?Numerolei=1607. Acesso em: 16 /03/2016.
SERGIPE. Lei nº 7.848, de 12 de maio de 2014. Disponível em: http://acervo.se.gov.br/easysearch/easysearchview/search?engine_name=core01&search_bean=AttachedFileReturnBean&source=1412592095268_lei.pdf&did=1412592095268&server=http://acervo.se.gov.br:80. Acesso em: 18/03/2016.
 
Notas
[1] Fonte: Sítio eletrônico da Fundação Renascer – www.renascer.se.gov.br. Acesso em 16/03/2016.

[2] Processo nº 0001927-32.2011.5.20.0002.

[3] Processo nº 0000671-14.2012.5.20.0004.

[4] Processo nº 0000426-68.2010.5.20.0005.

[5] Processo nº 0001882-25.2011.5.20.0003.

[6] Processo nº 0215900-44.2009.5.20.0001.

[7] Processo nº 0000424-95.2010.5.20.0006.


Informações Sobre os Autores

Luiz Alberto Melo dos Santos

Advogado Militante na área trabalhista, coordenador jurídico da Fundação Renascer do Estado de Sergipe, graduado em Direito pela Faculdade Estácio de Sergipe e pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Damásio Educacional

Kleidson Nascimento dos Santos

Procurador do Estado de Sergipe, doutorando em Direito pela PUC/SP, mestre em Direito pela UFAL, Conselheiro Seccional suplente da OAB/SE (2016-2018) e Diretor-geral da Escola Superior de Advocacia – ESA/OAB/SE, professor cursos de graduação e pós-graduação em Direito


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