O caráter terapêutico da medida de segurança aplicada ao inimputável por doença mental

Resumo: O objetivo do presente trabalho é discutir sobre as medidas de segurança aplicadas aos loucos infratores, conceito de periculosidade e sua eficácia, a indeterminação quanto ao tempo, o suposto caráter terapêutico que norteia esse instituto penal.

Palavras-chave: Medida de Segurança. Direito Penal. Inimputáveis. Saúde Mental.

Abstract: The objective of the present work is to discuss safety measures applied to insane offenders, the concept of dangerousness and its efficacy, the indeterminacy as to time, and the supposed therapeutic character that guides this criminal institute.

Keywords: Security measure. Criminal Law. Incomputables. Mental health.

Sumário: Introdução. 1. Conceito da medida de segurança. 2. Sujeito. 3. Suposto caráter terapêutico das medidas de segurança. Considerações Finais. Referências.

Introdução

 O presente artigo abordará os aspectos das medidas de segurança aplicadas aos inimputáveis por doença mental, analisando seus requisitos, finalidade, tempo e os sujeitos.

Ademais, o artigo tem como finalidade realizar uma análise crítica quanto a aplicação da sanção penal de medida de segurança, principalmente, no que diz respeito ao conceito de periculosidade.

Dessa forma, o trabalho será dividido em três capítulos, no qual o primeiro trará o conceito da medida de segurança, o segundo abordará quem é o sujeito que recebe essa sanção penal e, por fim, o terceiro analisará o suposto caráter terapêutico da medida de segurança.

1. Conceito da medida de segurança

Masson (2014) define a medida de segurança como modalidade de sanção penal com finalidade exclusivamente preventiva, e de caráter terapêutico, destinada a tratar inimputáveis e semi-imputáveis portadores de periculosidade, com o escopo de evitar a prática de futuras infrações penais.

Em que pese o seu caráter curativo, não deixa de ser uma espécie de sança penal, pois toda e qualquer privação ou restrição de direitos, para quem a suporta, apresenta conteúdo penoso (STJ 2012).

Diante da aplicação das medidas de segurança, há que se observar princípios norteadores como o princípio da legalidade, ou seja, apenas a lei pode criar medidas de segurança, princípio da anterioridade, somente se admite a imposição de uma medida de segurança quando sua previsão legal for anterior à prática da infração penal e princípio da jurisdicionalidade, a medida de segurança apenas pode ser aplicada pelo Poder Judiciário (Masson, 2014).

Há que se observar também os requisitos para aplicação dessa sanção penal, dessa forma, são três: a) prática de um fato típico e ilícito; b) periculosidade do agente; c) não tenha ocorrido a extinção da punibilidade (Masson, 2014). No primeiro requisito é preciso que a gente pratique uma infração penal, ou seja, necessário ter autoria e prova da materialidade do delito, no segundo requisito, segundo Masson (2014) é a efetiva probabilidade do sujeito voltar a envolver-se em crimes ou contravenções penais, por fim, o último requisito é obrigatório que o Estado ainda possua o direito de punir.

Dentre esses requisitos aquele que mais chama atenção é o da periculosidade, tal requisito traz discussões no âmbito jurídico e da saúde mental, pois o que se percebe é que esses indivíduos acometidos por doença mental sofrem de um julgamento futuro e incerto de que irão delinquir novamente.

A história da loucura de Foucault (2000) traduz esse tipo de periculosidade, na qual o Estado abarca tratamento rigoroso e punitivo àquele que era considerado inimigo do Estado, cuja representação era caracterizada pela classe dos vadios, mendigos, leprosos, prostitutas, bêbados, assim como, os doentes mentais, logo, todos os ditos “anormais”.

Dessa forma, observando esse contexto, é que tanto os operadores do direito, quanto os psiquiatras, exercem um juízo futuro e incerto sobre condutas aplicadas aos indivíduos considerados perigosos, através, tão somente, de um questionamento sobre sua vida pregressa e as condições morais que a delineiam, deixando de aplicar, ou, até mesmo criar políticas públicas para amparar os portadores de transtorno mental infratores (Barroso, 2014).

2. Sujeito

De acordo com o artigo 26 do Código Penal que dispõe que: “É isento de pena o agente que, por doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” (grifo nosso).

O aludido artigo dispõe também que os sujeito dispostos no artigo 26, terão sua pena reduzia de 1 a 2/3 se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

3. Suposto caráter terapêutico das medidas de segurança

Atravessando a maior parte do século XX um enorme hospício localizado na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, foi palco das maiores atrocidades praticadas contra pessoas diagnosticadas ou não com alguma doença mental, história narrada no livro “Holocausto Brasileiro” (Arbex, 2013), retratando o descaso do poder público acerca da saúde mental da sociedade brasileira da época, bem como, revelando que a loucura existindo ou não era motivo de internar pessoas, retirando, assim, sua dignidade existencial.

Ademais, a loucura sempre foi palco de discussões tanto na medicina quanto no direito, de forma, que ambas se entrelaçam nas análises de loucos infratores e hospitais de custódia. Sendo assim, no ano de 1993, por uma portaria da Secretaria de Assistência à Saúde que estabeleceu critérios para funcionamento dos hospitais psiquiátricos buscando sua humanização (Desviat, 2015), uma vez que, os doentes mentais muitas vezes estavam expostos a tratamentos degradantes, como ficar presos em celas minúsculas e amarrados. Dessa forma, o que se observou é que com o decorrer do tempo, profissionais de saúde, da área jurídica e o poder público visualizavam a necessidade de reforma quanto à saúde mental.

Correlacionando a saúde mental com a área jurídica, em tese, os ditos loucos infratores devem receber a medida de segurança como tratamento terapêutico, a fim de que possam ser reinseridos no âmbito social, porém, a realidade distorce da teoria (Caetano, 2012).

Um documentário realizado por Débora Diniz (2009) retrata a realidade de um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, conta a história de pessoas que já tem o prazo da medida de segurança expirado, mas ainda continuam internadas, retratou a história de um internado que se suicidou na cela, dentre outras questões.

Destarte para tentar compreender o âmbito dos hospitais de custódia e como vivem ou sobrevivem os indivíduos custodiados nesse local, de acordo com o Censo realizado em 2011, sobre A custódia e o tratamento psiquiátrico no Brasil, no qual percorreu 26 estabelecimentos de custódia e tratamento psiquiátrico, em dezenove Estados (Alagoas, Amazona, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergupe) e o Distrito Federal, trazendo um conteúdo importantíssimo e geral de quem são, como vivem e o que fazem esses sujeitos, ressaltando que um em cada quatro indivíduos em medida de segurança não deveria estar internado e 21% da população encarcerada cumprem pena além do tempo previsto.

Ressalta-se que na confecção do presente trabalho, um estudo realizado por Michele Cia (2011) trouxe a informação de que um relatório feito na I Caravana Nacional de Direitos Humanos no ano de 2000, realizada pela Câmara dos Deputados, investigou a realidade manicomial no Brasil, abrangendo tanto hospitais psiquiátricos comuns quanto HCTPs, ligados à execução penal, a constatação da Casa Legislativa foi alarmante, pois a realidade manicomial brasileira fere, de modo geral e frontalmente, os direitos humanos dos indivíduos que a ela se submetem (Cia, 2011), ou seja, a integridade física e mental dessas pessoas continua em risco, não sendo mantido o básico inerente ao ser humano para viver com dignidade.

Diante disso, o questionamento é que os operadores do direito e até mesmo a sociedade têm fechado os olhos para uma realidade problemática ainda presente e não solucionada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realidade é que ainda hoje a loucura é vista como um fator de segregação das pessoas que são acometidas por alguma doença mental e cometem infração penal, ainda que se diga que a media de segurança tem esse caráter terapêutico, a verdade é que o tratamento dado a essas pessoas não é curativo e sim “aprisionar”.

Sabe-se que a doença mental é assunto complexo, que envolve áreas como a medicina psiquiátrica, psicologia e o próprio direito, não é simples compreender o que ocorre com pessoas acometidas de doenças mentais, porém, como dispõe a Carta Magna todos têm direito ter uma vida digna, os doentes mentais não fogem desse preceito, trata-los com descaso, ou apenas internando-os por tempo indeterminado, não é solucionador da questão.

O caráter terapêutico da medida de segurança tem que ser colocado em prática, o poder público tem que investir no tratamento da saúde mental, acolhendo pessoas acometidas por algum problema mental, sem desumaniza-las, garantindo seus direitos mais básicos, investir em profissionais capacitados para lidar com essas pessoas, em hospitais que as tratem com a finalidade de tratar tais doenças, ou pelo menos, dar a elas uma condição mais digna, bem como, os empreendedores do direito não podem simplesmente aceitar que essas pessoas estejam segregadas sem nenhum amparo.

 

Referências
ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil. 1.ed. São Paulo: Geração, 2013.
BARROSO, Thais Souza. A periculosidade para a imposição, manutenção e cessação da medida de segurança: um estudo empírico no Hospital de Custódia e tratamento psiquiátrico do Pará. Dissertação (Mestrado em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional) – Programa de Pós-Graduação em Direito, do Centro Universitário do Pará – CESUPA, Belém. 2015.
BECCARIA, Cesare. (1764). Dos delitos e das penas. 2.ed. São Paulo: Editora Martin Claret Ltda., 2000.
BRASIL. Código Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
_______. Lei nº 10.216 de 06 de abril de 2001. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm>. Acesso em: abr. 2017.
CAETANO, Haroldo. Crime e loucura. Disponível em: <https://amp-go.jusbrasil.com.br/noticias/100191839/crime-e-loucura-artigo-do-promotor-haroldo-caetano-da-silva-publicado-no-jornal-o-popular>. Acesso em: mai. 2017.
CAETANO, Haroldo. Reforma psiquiátrica nas medidas de segurança: a experiência goiana do Paili. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v20n1/15.pdf>. Acesso em: mai. 2017.
CIA, Michele. Medidas de segurança no Direito Penal brasileiro: A desinternação progressiva sob uma perspectiva político-criminal. São Paulo: Unesp, 2011.
DESVIAT, Manuel. A Reforma Psiquiátrica. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015.
DINIZ, Debora. A custódia e o tratamento psiquiátrico no Brasil. Censo 2011. Brasília. Editora UNB, 2013.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. Petrópolis, Ed. Vozes, 8. Ed, 1991.
_______________. A História da Loucura. São Paulo: ed. Perspectiva, 2000.
MASSON, Cleber. Direito Penal Vol. 1 Parte Geral. 9.ed. ver., atual. E ampl. – São Paulo: Método. 2015.
________________. STJ: HC 226.014/SP, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 19.04.2012, noticiado no Informativo 495.


Informações Sobre o Autor

Lorena Araujo Matos

Advogada. Mediadora do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Especialista em Direito Penal e Processo Penal


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