Alimentos transgênicos: os benefícios e os riscos para a segurança alimentar e nutricional no Brasil

Resumo: O presente tem como finalidade a demonstração da concretização do direito humano à alimentação adequada (DHAA) que foi inserido no texto constitucional como direito fundamental, tendo como sustentáculo o direito humano do homem de gozar de uma vida digna, incluindo a segurança alimentar e nutricional. Os avanços em âmbito nacional do DHAA são notáveis, como poderá ser analisado posteriormente, uma vez que os instrumentos fincados pelo Estado ratificam que tal garantia não se encontra somente no mundo jurídico e ideal, mas que, de forma pragmática, vem alcançando espaço, o que é observado com a inserção do Brasil entre os maiores produtores de alimentos transgênicos do mundo, haja vista que a aplicação correta de tal tecnologia coopera para a erradicação da fome com a introdução de maior quantidade de produtos à disposição do consumidor final, porém é importante uma análise cirúrgica de todas as etapas concernentes à produção dos organismos geneticamente mudados, haja vista o grande risco a saúde que pode vir a acarretar pelo uso inadequado daqueles[1].

Palavras-chave: Direito à Alimentação. Segurança Alimentar e Nutricional. Alimentos Transgênicos.

1 COMENTÁRIOS PRELIMINARES

A fome é considerada o maior óbice ao desenvolvimento mundial; desde os primórdios das civilizações há narrativas da necessidade e dificuldade que o homem enfrentava para subsistir e suprir seus desprovimentos nutricionais. Neste ínterim, faz-se imprescindível aprazar Josué de Castro, um dos intelectuais brasileiros mais renomados, haja vista seus estudos a cerca da fome e acoplando tais conceitos à realidade brasileira de forma poética e melancólica. Segundo o referido autor (CASTRO, 1984, p.5), após rigorosos estudos, a fome, diferentemente de outras endemias, é suscetível de cura, dependendo, no entanto, da ação do Estado para o fornecimento dos alimentos adequados para cada região, atentando-se para as peculiaridades das mesmas.

Neste ínterim, o autor supracitado, analisando sobre a ótica histórica da população brasileira, especificamente em relação a má distribuição de renda que desde a era colonial persiste, define a fome a partir dos seguintes conceitos: individual ou coletiva; endêmica ou epidêmica; parcial ou total, subdividindo-a ainda em áreas territoriais, quais sejam: Amazônia, Nordeste Açucareiro, Sertão Nordestino, Centro-Oeste e Extremo Sul, concluindo portanto a remediação encontra-se em considerar as regiões individualmente com suas qualidades históricas, geográficas, econômicas e sociais. Diante disso, o estudo da fome deve ser conferido da seguinte maneira:

“(…) o objetivo é analisar o fenômeno da fome coletiva – da fome atingindo endêmica ou epidemicamente as grandes massas humanas. Não só a fome total, a verdadeira inanição que os povos de língua inglesa chamam de starvation, fenômeno, em geral, limitado a áreas de extrema miséria e a contingências excepcionais, como o fenômeno muito mais freqüente e mais grave, em suas conseqüências numéricas, da fome parcial, da chamada fome oculta, na qual, pela falta permanente de determinados elementos nutritivos, em seus regimes habituais, grupos inteiros de populações se deixam morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias. É principalmente o estudo dessas coletivas fomes parciais, dessas fomes específicas, em sua infinita variedade, que constitui o objetivo nuclear do nosso trabalho” (CASTRO, 1984, p. 152).

À luz do exposto, é imperioso dizer que a fome trata-se não somente da ausência de alimento, mas da falta dos nutrientes necessários para um equilíbrio alimentar, que alcança o desenvolvimento pessoal e coletivo da sociedade, destarte, é indispensável que o Ente Estatal disponha de políticas públicas capazes de não somente matar a fome instantânea, não obstante a nutrir o indivíduo e sanar suas disfunções alimentares. Nesse sentido, nasce a definição de Segurança Alimentar, tema desta pesquisa.

Precedentemente, insta discorrer sobre o histórico instituto no Brasil, que é elevadamente meritório para o desenvolvimento social, com o intuito de entender tal significância. Precipuamente, a expressão Segurança Alimentar ganha enfoque no Brasil após a I Conferência Internacional Alimentar e Nutricional em 1986, intensificando as discussões, haja vista a consagração do Direito à Alimentação Adequada (DHAA) ao rol de direitos fundamentais em 1948, no qual o Brasil se achava membro, alargando o conceito com a I Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em 1994, promovida pelo CONSEA, com a seguinte definição: “trata-se do acesso universal aos alimentos, o aspecto nutricional e, consequentemente, as questões relativas à composição, à qualidade e ao aproveitamento biológico” (BRASIL, 2003, p.11).

Sucessivamente, em 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), é extinto, prescindindo o Conselho da Comunidade Solidária, deslocando o centro das discussões da Segurança Alimentar para a questão da pobreza. Conquanto, em 1996, o Brasil participa da Cúpula Mundial de Alimentação, realizada pela FAO, trazendo consigo o conceito a seguir:

“A Segurança Alimentar e Nutricional significa garantir, a todos, condições de acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo, assim, para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana” (BRASIL, 1996, p.4)

Nesse sentido, em 2001 é criado o projeto fome zero, constituído pelo instituto da cidadania, que visava erradicar a fome que submetia cerca de 54 milhões de pessoas à situação de insegurança alimentar, sendo o mesmo programa o responsável por eleger Luiz Inácio Lula da Silva à presidente da república no ano de 2002. Tal equipamento tornou-se importante para o aumento dos debates relacionados à segurança alimentar e nutricional, envolvendo os órgãos, institutos, sindicatos e outros para a questão da fome. Assim, o Instituto da Cidadania reiterou o conceito consagrado pela Cúpula Mundial de Alimentação, acrescentando, todavia, definições próprias, como se observa a seguir:

“[…] a garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais nem o sistema alimentar futuro, devendo se realizar em bases sustentáveis. Todo o país deve ser soberano para assegurar sua segurança alimentar, respeitando as características culturais de cada povo, manifestadas no ato de se alimentar. É responsabilidade dos Estados Nacionais assegurarem este direito e devem fazê-lo em obrigatória articulação com a sociedade civil, cada parte cumprindo suas atribuições específicas” (INSTITUTO CIDADANIA, 2001, p.15).

Consequentemente, como marco da SAN em território nacional faz-se imperioso citar a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), através da Lei 11.346/2006, com a finalidade de assegurar o direito humano à alimentação adequada afamada pela Declaração dos Direitos do Homem em 1948. Esse compilado legal traz princípios, definições, diretrizes, objetivos do sistema supracitado, com o intuito de através da participação estatal e social, formular e implantar programas e ações que visem a solidificação da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil. Sequencialmente, tem-se o mais imprescindível símbolo do DHAA em território nacional, qual seja, a implementação de tal direito no rol de direitos fundamentais, a saber, ao art. 6º da Constituição Federal, elevando-o a essencialidade e coagindo o Estado à fornecê-lo, como poderá ser verificado posteriormente.

2 SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL: DELIMITAÇÃO E EXTENSÃO DO VOCÁBULO

Com é sabido, com o advento da inserção do DHAA no arcabouço dogmático dos direitos fundamentais, o Estado forçou-se a fornecer tais garantias, desenvolvendo instrumentos que concretizem as mesmas. O marco legal para a implementação deste ideário encontra-se na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), de nº 1346/2006, que conjectura, conforme o julgamento de Rangel (2015, p. 10), o alargamento das circunstâncias de aquisição dos alimentos através do trabalho da agricultura tradicional e familiar, dando atenção ao método de produção em todas suas fases, isto é, processamento, industrialização e comercialização, tendo como pilar as resoluções internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, envolvendo também os recursos naturais como a água, além de fornecer empregos e redistribuir a renda. Vale ressaltar que traz em consideração não somente a erradicação da fome, mas todas as dimensões, tais quais ambientais, culturais, econômicas, regionais e sociais.

Diante desse cenário, o legislador define a Segurança Alimentar e Nutricional como a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis, conforme previsto em seu art. 3º, litteris. Neste sentir, Albuquerque (2009, p.06) conceitua que a SAN possui duas dimensões distintas: a alimentar e a nutricional. A primeira diz respeito à viabilidade do acesso à alimentação adequada, envolvendo a produção e a disponibilidade dos alimentos, enquanto esta se relaciona ao conhecimento do indivíduo com o alimento em que consome, buscando sempre a conscientização da nutrição e equilíbrio nas refeições.

Assim, a SAN aspira muito além da simples erradicação da fome, mas essencialmente à conscientização de toda a sociedade para a importância de alimentar-se bem, ainda que não haja falta de alimentos, tal consentimento abarca inclusive os produtores e fornecedores de alimentos, para tanto exige-se a participação de todos os âmbitos sociais, através de políticas e programas que versem sobre a importância da Segurança Alimentar para o desenvolvimento social, econômico e político do Estado. Com efeito, grande tem sido o avanço nacional neste sentido, v.g, o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), desenvolveu uma pesquisa em 2010 a fim de constatar os avanços dos equipamentos públicos em prol da efetivação do DHAA em relação à promulgação da LOSAN, e os resultados apontam que o Brasil é um dos países em que possui a diminuição significativa dos indivíduos em Insegurança Alimentar e Nutricional (CONSEA. 2010, p. 06).

Neste sentido, apesar de já possuir mecanismos relacionados ao DHAA antes da LOSAN, o país conseguiu estabilizar o conceito de segurança alimentar através desta e posteriormente desenvolver dispositivos que consumaram esta ambição, v.g., o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), o Guia Alimentar Para a População Brasileira disponibilizado pelo Ministério da Saúde em 2014, o Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (PRONARA) dentre outros prospectos apoiados ou implementados pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). O DHAA indica o vultoso avanço social do país, que reflete no crescimento da sociedade de forma universal e por este motivo vem sendo tão aclamado nas discussões políticas e sociais no país. Sob esta ótica, o CONSEA, em sua 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar, adverte:

“Desde 2003, o Brasil vem construindo o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) com vistas a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). O SISAN é um meio para a concretização da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), articulado ao conjunto de setores envolvidos como saúde, educação, desenvolvimento agrário, meio ambiente, cultura, etc. Saúde e segurança alimentar são temas convergentes e complementares pois, ambos tem complexidade e desafios em comum”. (CONSEA, 2009, p.2)

Nesta senda, a Segurança Alimentar e Nutricional trata-se da efetividade do DHAA, isto é, sendo consequência deste, englobando o acesso universal à alimentos de qualidades, em quantidade suficiente para cada indivíduo em particular, devendo o fornecimento e a viabilidade ser permanente e sólida, de maneira que não ameace as outras necessidades essenciais ao ser humano, sendo, portanto, interligado aos demais direitos inerentes ao homem, visando de maneira salutar a completude do desenvolvimento humano e coletivo, e como corolário, o alcance à aclamada dignidade da pessoa humana.

3 DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: ASPECTOS CARACTERIZADORES

O direito humano à alimentação adequada (DHAA) encontra-se no rol de elementos inalienáveis e imprescritíveis dos direitos fundamentais, ganhando respaldo em vários documentos internacionais, sobretudo a Declaração dos direitos do Homem (1948), tendo como fito de que a distância da fome é elemento para que os outros direitos fundamentais sejam efetivados. O documento supramencionado dispõe que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle” (ONU, 1948).

O âmago do direito supramencionado tem como sustentáculo o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo anterior ao próprio direito garantido, este cânone supera todas as barreiras políticas para garantir ao homem o gozo de sua liberdade com qualidade e segurança. Com efeito, é rudimento próprio do ser humano, “destacado de qualquer requisito ou condição, não encontrando qualquer obstáculo ou ponto limítrofe em razão da nacionalidade, gênero, etnia, credo ou posição social” (RANGEL, 2015, p.5). Portanto, combater a fome é obrigação do Estado, e este a cumpre por meio do fornecimento, da previsão ou de condições favoráveis para o indivíduo elevar-se a um status de segurança alimentar e nutricional, como forma de efetivação da dignidade do homem.

A concepção de segurança alimentar e nutricional, apesar de ser um conceito inovador, possui encorpado significado, no qual, todos sem distinção, devem ter garantidas as condições para adquirir alimentos básicos de qualidade para si e para sua família, de maneira que possuam quantidade suficiente para se manterem sem prejudicar as outras áreas que necessitam de aplicação econômica da família e que também são fundamentais para a concretização da dignidade da pessoa humana, podendo assim o indivíduo desenvolver-se de forma sadia e digna no corpo social. É imprescindível sublinhar que o Estado não deve só proteger o direito à alimentação adequada, mas colocá-la como prioridade nas políticas realizadas pelo mesmo a fim de garantir o desenvolvimento pessoal do cidadão e o crescimento do próprio Ente Estatal. Tal garantia, apesar de ter sido contemplada pela Declaração dos Direitos Humanos (1948), foi ratificada de forma minuciosa e pormenorizada no Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais, Políticos e Culturais (1966) especificamente no art. 11 do dispositivo, nestes termos:

“1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família,inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. 2. Os Estados Partes do presente pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessárias para: a) melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais; b) Assegurar uma repartição eqüitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios”. (ONU, 1996, s,p)

Este instrumento, considerado um dos mais importantes para a realização do direito humano à alimentação adequada, tem como fito garantir que tais conquistas não sejam meramente observadas, mas que os Estados cumpram e apliquem em seu território o que ficou pactuado. O direito à alimentação tem como aspectos vinculantes a quantidade adequada para os níveis sociais e econômicos do Estado; a segurança alimentar e nutricional possível e disponível para todos, tendo sua utilização de forma que as gerações posteriores também desfrutem deste direito;os alimentos nutritivos e suficientes para suprir as necessidades fisiológicas de cada indivíduo para que seu desenvolvimento físico e mental seja saudável levando em consideração as características pessoais de cada um; alimentos em bom estado de conservação e que não sejam alterados ou contaminados; que o cidadão tenha viabilidade para adquirir os alimentos no tange à comercialização e distribuição e a realidade econômica de cada grupo ou coletividade para adquirir os alimentos necessários para sua estadia digna, priorizando aqueles menos favorecidos socialmente. Neste mesmo sentido, Nascimento declara que:

“Os Estados precisam cumprir certas obrigações que podem ser classificadas em três níveis, para garantir o direito humano a uma alimentação adequada: respeitar, proteger e realizar, de forma que a obrigação de realizar está imbricada com aquelas de facilitar e de fazer efetivamente (ONU, 1999). Ou seja, ‘respeitar’ o acesso à alimentação adequada; ao ‘proteger’ devem se assegurar de que as empresas ou particulares não impeçam o acesso à alimentação adequada; e, ao ‘realizar’ (facilitar), o Estado Parte deve procurar desenvolver atividades que fortaleçam o aceso e a utilização pela população dos recursos e meios de vida, incluindo a segurança alimentar. Se acontecer de um indivíduo ou grupo ser incapaz de ter acesso, por razões que não lhes dizem respeitos, o Estado tem a obrigação de realizar (fazer efetivo) diretamente esse direito; inclusive, àquelas vítimas de catástrofes naturais ou de outra ordem”. (NASCIMENTO, s.d, s.p)

Com efeito, estas concepções não podem sucumbir haja vista a dependência e necessidade do homem em ter qualidade de vida no meio em que se encontra. No Brasil, o direito à alimentação adequada não foi somente introduzido na Constituição Federal de 1988 como foi elevado ao status de direito fundamental através da Emenda Constitucional Nº 64/2010, podendo ser encontrado no caput do art. 6º da Carta Magna, in verbis, “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).

Observar o DHAA na Carta Maior significa que o Estado está obrigado a fornecer, prover e dar condições a todos os seus cidadãos de terem uma subsistência digna, visando o desenvolvimento pessoal do indivíduo e também o social e o fazendo através de políticas públicas que viabilizem o acesso à alimentação adequada, analisando quais instrumentos serão usados, quais as formas de distribuição mais eficazes para diminuir as desigualdades em todos os sentidos no contexto social para que cada indivíduo possua condições de ter sua dignidade alcançada como cidadão haja vista que o direito à alimentação adequada não está relacionada somente com a erradicação da fome, mas também com todos os âmbitos organizacionais do Estado, seja na política, nos planos desenvolvimentistas, na organização da sociedade em sim e as desproporções que emergem do meio social.

Neste diapasão, o DHAA possui três aspectos delimitadores indispensáveis para a efetiva aplicação do referido direito, são eles: disponibilidade, acessibilidade e adequação (RANGEL, 2015, p. 11). A disponibilidade diz respeito ao fácil alcance dos alimentos necessários por um indivíduo quando este o requerer, isto é,o alimento adequado precisa estar disponível ao homem de forma que consiga obtê-lo com facilidade, pode ser por meio do próprio plantio, pelos recursos naturais como pesca e caça, além da comercialização dos alimentos. A acessibilidade, por sua vez, refere-se às condições econômicas e físicas do ser para adquirir os alimentos adequados de maneira que não comprometa as demais necessidades do indivíduo e sua família, ou seja, até mesmo aquelas pessoas que vivem em comunidades longínquas ou os idosos e crianças, dentre outros obstáculos que podem dificultar o acesso à alimentação saudável, devem ser contemplados por tal garantia. Por fim, o alimento adequado leva em consideração as condições concernentes ao próprio indivíduo no que tange à sua idade, gênero, seu grau de esforço no dia a dia, a saúde, dentre outras características que exigem certo tipo de alimentação, atendendo então as necessidades alimentares do homem.

4 ALIMENTOS TRANSGÊNICOS E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Diante de todo o escandido, fez-se observado que a Segurança Alimentar e Nutricional tem um elo muito maior que apenas ao consumo de alimentos adequados pelo consumidor final, mas também ao produtor, ao fornecedor que armazena tais alimentos e os prepara, entre outras peculiaridades, sendo um conceito livre capaz de reproduzir-se a partir do surgimento das necessidades do homem, sempre aspirando a dignidade. Tal informação traz consigo a indagação quanto aos alimentos transgênicos, sendo indubitável, portanto, que se alinhave sobre tal classificação.

Nesse ínterim, surge nos anos 50 o movimento denominado “revolução verde”, que aponta como corolário do aumento populacional e, consequentemente, de indivíduos em situações mórbidas de fome. Esse fundava-se na abstração de intensificar de maneira significativa a produtividade dos alimentos, com a finalidade de, através da parceria da biotecnologia e a engenharia genética, melhorar a agricultura mundial, sequencialmente, o acesso mundial e pleno à alimentos de qualidade (CAVALLI, 2001, s.p).

Essa idealização se efetivaria através do combate às pragas, a produção de novos organismos vegetais e animais, a diminuição do tempo de produção e distribuição dos alimentos agrícolas, garantindo assim, maior quantidade de alimentos a um quantitativo elevado de cidadãos. Nesse foco, a atuação dos alimentos transgênicos no comércio teve a aprovação das maiores organizações de alimentos do mundo, qual seja a FAO e a OMS, que já declararam-se favoráveis às sementes geneticamente transmudadas haja vista seus efeitos positivos imediatos, frisando, conquanto, que suas consequências futuras devem ser melhor analisadas e pesquisadas, conforme pode ser verificado a seguir:

“A Organização Mundial da Saúde (OMS) garante que os alimentos geneticamente modificados que hoje estão no mercado são seguros e não representam um risco a mais que não houvesse em alimentos convencionais para a saúde dos consumidores. A agência de saúde da ONU alerta, porém, que isso não significa que os efeitos a longo prazo sejam desprezíveis e pede que o controle sobre os novos produtos seja reforçado. Ontem, a OMS publicou um estudo sobre o impacto dos alimentos transgênicos. “Não temos dados que sugiram que esse tipo de produto aumente os riscos para a saúde, ainda que isso não signifique que no futuro também sejam inofensivos”, disse o diretor de Segurança Alimentar da OMS, Jorgen Schlundt”. (RENORBIO, 2005, s.p)

Com efeito, os alimentos geneticamente mudados trazem benefícios à economia e ao corpo social, haja vista que além de não agredirem o meio ambiente, corroboram para a erradicação do maior problema mundial, qual seja, a fome. Estes rudimentos se sustentam no condão de, como é sabido, a falta de produção agrícola, demandando a insuficiência de alimentos, que acarretara problemas na distribuição e comercialização, elevando os valores e causando desperdícios por consequência do armazenamento indevido.

No Brasil, os organismos geneticamente modificados (OGMs) são regulamentados pela Lei 11.105, de março de 2005, estabelecendo as normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam os mesmos, criando também o Conselho Nacional de Biossegurança, demonstrando a preocupação estatal com a valorização das pesquisas sobre os alimentos transgênicos, como se verifica no art. 1º da lei em xeque:

“Art. 1o Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente”. (BRASIL, 2005)

Com todo o alinhavado, interessante dizer que, apesar de toda o mundo subjetivo idealizado pelos fundamentos ditos acima, a realidade dita outras regras, haja vista o excesso de transformações nos DNA’s dos organismos, a falta do correto manuseio e armazenamento e a aplicação sem a devida pesquisa em todos os seus âmbitos de extensão. Nesse sentido, o CONSEA se manisfetou exalando o seguinte parecer “As experiências relatadas para o Brasil dizem respeito a testes de comprovação de eficiência das variedades neste país, tratando apenas de questões agronômicas e não aquelas de segurança ambiental. Não abordam assim, aspectos relevantes para a biossegurança de linhagens transgênicas” (BRASIL,.s.d., s.p). Tal conclusão solidifica-se na pesquisa a seguir.

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Como observado, a questão vai muito além do acesso ao alimento, mas está relacionado intrinsecamente com a qualidade genética do alimento, concomitantemente com os impactos ambientais, na saúde, na economia, dentre outros aspectos relevantes para o alcance da segurança alimentar e nutricional no Brasil. Em consonância com esta fundamentação, a Repórter Brasil produziu uma série de artigos que indicam os riscos dos transgênicos utilizados de forma inadequada, salientando ainda o crescimento veloz do cultivo de transgênicos no país. Neste sentido, Thuswohl acrescenta que:

“A expansão dos cultivos transgênicos contribuiu decisivamente para que o Brasil se tornasse, desde 2008, o maior consumidor mundial de agrotóxicos, responsável por cerca de 20% do mercado global do setor. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde e responsável pela liberação do uso comercial de agrotóxicos, na safra 2010/2011 o consumo somado de herbicidas, inseticidas e fungicidas, entre outros, atingiu 936 mil toneladas e movimentou 8,5 bilhões de dólares no país. Nos últimos dez anos, revela a Anvisa, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%, ritmo muito mais acentuado do que o registrado pelo mercado mundial (93%) no mesmo período”. (THUSWOHL. 2013, s.p)

Além de estar ser um dos maiores produtores de milho, soja e algodão transgênicos do mundo, o que a longo prazo e de maneira imprópria pode trazer danos irreversíveis aos âmbitos sociais e econômicos do Brasil, haja vista que, apesar da grande variedade de OGM’s, a fiscalização ainda é complexa, o que acarreta a desvalorização dos meios e regras adequadas para o melhor cultivo dos organismos transmudados, os transformando em vilões da segurança alimentar e nutricional. Ressalta-se, nesse sentir, que a segurança alimentar deve prevalecer acima de qualquer pesquisa e economia, por isso o cuidado dos órgãos competentes é imprescindível para que a finalidade dos transgênicos seja atingida com meio eficaz a sua aplicabilidade e paralelismo à construção de um Estado promotor da Segurança Alimentar a todos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Notório é gizar que a fome é um problema desde os primórdios da sociedade, o homem desde seu nascimento sempre lutou por sua subsistência, conseguindo meios para a mesma. Com a vivência em sociedade, tal concepção tornou-se relativamente mais difícil. Nesse sentido, o direito à alimentação adequada emerge dispondo que a alimentação equilibrada diz respeito ao principio da dignidade da pessoa humana que encontra-se intrínseco a sua própria natureza de ser humano, devendo portanto, o Estado desenvolver políticas que viabilizem o acesso aos alimentos devidamente nutridos, salienta-se ainda que essa garantia é abraçada pela declaração dos direitos do homem, de 1948.

A definição de Segurança alimentar e nutricional surge nesse cenário para dar princípios e normas que possibilitem o acesso do individuo aos alimentos equilibrados, considerando de imediato suas características quanto ao desenvolvimento pessoal, isto é, sexo, estatura, peso; e o desenvolvimento em coletivo, que se refere a vida em sociedade, devendo o cidadão estar nutrido para cumprir suas funções de formas satisfatórias. Assim, tem-se a consagração do Direito à Alimentação Adequada pela Constituição Federal de 1988 e, consequentemente, a solidificação da SAN pela Lei 1346/2006, também chamada de LOSAN, dispondo de diretrizes e fundamentos para a concretização do ideário em tema.

Sequencialmente, com a aspiração de suprir as necessidades biológicas do indivíduo, o governo desenvolve variados programas para a viabilização da Segurança Alimentar e nutricional em todos os seus aspectos, inclusive no acesso ininterrupto à alimentos adequados. Desta forma, os alimentos transgênicos surgem a fim de deslindar uma das problemáticas que permeiam esta circunstância, qual seja, a fome. Como é sabido, o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos transgênicos, o que é benéfico para a economia agrícola e coletiva, conquanto, é indispensável à análise criteriosa dos organismos geneticamente modificados antes do consumo, principalmente na etapa de plantio e armazenamento, seguindo minuciosamente as diretrizes legais para o não comprometimento da saúde dos cidadãos e o alcance da SAN.

 

Referências
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RANGEL, Tauã Lima Verdan. Direito à alimentação adequada e desenvolvimento humano: a possibilidade de justiciabilidade da temática e a concreção da dignidade da pessoa humana. Foz do Iguaçu: CONINTER, 2015.
THUSWOHL, Maurício. Trangênicos e Agrotóxicos: uma combinação letal. s.l: Repórtes Brasil, 2013. Disponível em: <http://transgenicos.reporterbrasil.org.br/transgenicos-e-agrotoxicos-uma-combinacao-letal-2/index.html>. Acesso em: 10 abr.2017.
Notas
[1] Artigo vinculado ao Projeto de Iniciação Científica intitulado “O direito humano à alimentação adequada (DHAA) em uma ótica regionalizada: os impactos da Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional em Cachoeiro de Itapemirim-ES, à luz dos equipamentos públicos de alimentação”.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Kemelly de Souza Rosa

 

Acadêmica de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (IESES) – Unidade Cachoeiro de Itapemirim

 

Tauã Lima Verdan Rangel

 

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES

 


 

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